Não foi novidade, mas nem por isso deixou de causar revolta e indignação. A resposta mundial à descoberta da variante Ómicron do coronavírus por cientistas sul-africanos foi recebida por países da África como uma balde de água fria. Prestes a retomar minimamente as suas economias após quase dois anos de pandemia, muitos deles viram as fronteiras do mundo se fecharem.
Logo após o anúncio do sequenciamento da Ómicron, cientistas pediam que a resposta fosse condizendo com o conhecimento científico. “Espero que seja hora de fazer uma abordagem global para uma pandemia global e acabar com o nacionalismo. Não é culpa das nações se os vírus evoluem”, publicou no Twitter o brasileira Túlio de Oliveira, um dos responsáveis pela identificação da variante.
Mas o que se verificou desde então, com diversas nações a fechar as fronteiras para os países da África Austral, porém, ratificou a discriminação global em relação ao continente. A evidência inequívoca do preconceito foi a proibição de entrada de viajantes provenientes inclusive de países que nem sequer haviam identificado casos da Ómicron, diz Carlos Lopes, professor da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul.
“Tem um pouco a ver com a ideia de que a África é uma coisa só, ou de que uma zona do continente é homogénea”, explica. “Me lembrou do Ébola, que estava afectando três países – Guiné, Libéria e Serra Leoa – mas falava-se como se fosse todo o continente”, acrescentou, citando como exemplo o cado de Moçambique, país que confirmou os primeiros dois casos de Ómicron apenas na terça-feira, 30 de novembro, mas que já estava sobre restrições.
Os viajantes destes países estava a ser travados nas fronteiras de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, Portugal, Itália e Alemanha, num cenário claramente discriminatório, de acordo com o director-geral Adjunto do Instituto Nacional de Saúde de Moçambique, Eduardo Samo Gudo. “Costumo dizer que a pior pandemia não é a da doença, mas a do egoísmo, do nacionalismo e da falta de colaboração a nível global”, desabafa.
Os cientistas criticam a falta de vacinas no continente africano, realçando que há países cuja taxa de imunização é baixíssima, mas sobretudo o encerramento de fronteiras. Dizem que esta medida não se baseia na ciência.
É o caso, por exemplo, de Augusto Silva, pesquisador para países africanos do Centro de Relações Internacionais em Saúde da FioCruz no Brasil, que defende que a Ómicron, identificada já em 20 países, deveria ser feita por meio de vigilância epidemiológica, isolamento dos infectados e vacinação.
Já para a professora de antropologia da Universidade de North-West, na África do Sul, a resposta global à esta variante esteve permeada de elementos de racismo. Diz Jess Auerbach que a proibição provocou desalento no país, especialmente na Cidade do Cabo, cuja economia é baseada no turismo.
C/Folha de S. Paulo