Morreu a mulher que sobreviveu a Auschwitz e aos ensaios do “anjo da morte”

Aos 85 anos, morreu Eva Kor, a mulher que sobreviveu a Auschwitz e aos ensaios macabros do “anjo da morte”. Chegou ao campo de concentração na Polónia em maio de 1944. Perdeu os pais e as duas irmãs e serviu, tal como a irmã gémea Miriam, de cobaia às mãos de Josef Mengele, o “anjo de morte”. Refez a vida em Israel e nos Estados Unidos e ensinou o valor do perdão.

Eva Kor nasceu na Roménia, em 1934. Antes de cumprir 11 anos já sentira na pele o lado mais duro da guerra e a trágica loucura dos homens. Tanto ela como a irmã gémea escaparam, ao contrário dos seus pais e das duas irmãs mais velhas, às câmaras de gás, mas o pior estava ainda por vir: serviram como ratos de laboratório, cobaias, carcaças por manipular, para Josef Mengele, o “anjo da morte”, descobrir o caminho genético para o que dizia ser a “raça pura”. Mengele vivia intrigado pelo fenómeno dos gémeos.

“Havia um nazi a correr naquela plataforma”, continua a contar, “a gritar, em alemão, ‘gémeas, gémeas’. Ele reparou em nós e exigiu saber se éramos gémeas. A minha mãe perguntou se isso era bom, o nazi disse ‘sim’. “Nesse momento, veio outro, mandaram a minha mãe para a direita e a nós para a esquerda. Estávamos a chorar, ela estava a chorar. Nem lhe disse adeus, não percebi que era a última vez que a ia ver. Aquilo tudo demorou 30 minutos, desde que chegámos no comboio e a minha família desapareceu.

A seguir, o ‘anjo’ entrou em acção. “Extraía-nos sangue três vezes por semana”, costumava contar Eva Kor nas suas palestras. “A seguir injetava-nos com germes e químicos para ver como reagíamos.” Sobreviveu a experiências, tortura, febres e ao descontrolo daqueles que queriam controlar o mundo e o ADN das pessoas. “Que pena, ela é tão nova. Só tem duas semanas de vida”, lembra-se de ouvir Mengele dizer.

Eva e a irmã gémea, Miriam, foram libertadas de Auschwitz por soldados russos antes de celebrarem o 11.º aniversário. Foram para Israel, até que o casamento com um norte-americano levou Eva para os Estados Unidos, onde, em 1995, fundaria o museu Candles, uma ode contra o esquecimento.

Em 2015, aceitou testemunhar contra Oskar Groening, o “contabilista” de Auschwitz, que enfrentava acusações de cumplicidade no extermínio de 300 mil pessoas. Este homem, que Eva olharia nos olhos, recolhia o dinheiro e bens dos corpos desesperançados que chegavam ao campo de concentração. E o inesperado aconteceu: trocaram um aperto de mão.

Esta maneira de estar foi explicando-a ao longo da sua vida. “Perdoem os vossos piores inimigos”, dizia num vídeo gravado na última visita ao Museu Auschwitz. “No momento em que perdoei os nazis, senti-me livre de Auschwitz e de toda a tragédia que me aconteceu.” Afinal, para Eva, não é assim tão difícil contrariar os sentimentos fundamentalistas de raça que podem conduzir a um genocídio: “Tratar todos com respeito e justiça. Não são necessárias grandes leis, não é necessário nenhum governo”.

Eva escapou a Auschwitz, o campo que testemunhou a morte e carregou as cinzas de cerca de 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, entre 1940 e 1945. Mais do que os nazis, Eva combateu o fantasma do esquecimento. E vai continuar a combater, já que é esse o seu maior legado: a memória.

Fonte: Expresso.pt

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