O Supremo Tribunal Federal anulou pela primeira vez uma sentença de Sérgio Moro, decisão vista como a amostra do clima que aguarda os processos da Operação Lava Jato no tribunal. Esta decisão não vai além do caso em que Moro condenou por corrupção e lavagem de dinheiro o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine. Mas bastou para deixar ouriçados os advogados de defesa de outros réus da Lava Jato.
Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Lula da Silva, deixou implícito que usará o mesmo argumento empregado pela defesa de Bendine no caso em que Lula foi condenado sob a acusação de ser o proprietário de um sítio em Atibaia, considerado propina de um consórcio de empreiteiras.
A sentença contra Bendine já havia sido confirmada em segunda instância, embora a pena tenha sido reduzida de onze anos para pouco mais de sete anos e nove meses. Ele foi condenado por ter, em pleno andamento da Lava Jato e já como presidente da Petrobras, solicitado e recebido R$ 3 milhões de propinas do Grupo Odebrecht, entre junho e julho de 2015.
O argumento para pedir a anulação da sentença foi apontar um erro processual: Moro concedeu o mesmo prazo para Bendine e outros delatores apresentarem suas alegações finais. Não haveria, portanto, como Bendine se defender do que os delatores, entre eles Marcelo Odebrecht, tivessem incluído nessas alegações.
O relator da Lava jato no STF, ministro Edson Fachin, negou o pedido, mas Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes apresentaram votos divergente. A surpresa foi o voto da ministra Cármen Lúcia, que pela primeira vez divergiu de Fachin. Votou com a outra ala (ministro Celso de Mello estava ausente).
O voto de Cármen sugere uma inflexão ainda maior nos humores contrários à Lava Jato que tomaram conta do Supremo. Mais que o caso de Bendine em si, foi a nova inclinação de Cármen que trouxe animação aos advogados que veem na Lava Jato uma “afronta ao estado de direito” e ao “devido processo legal”.
Há, no STF, um equilíbrio entre os ministros de orientação garantista – Gilmar, Lewandowski, Marco Aurélio e o presidente Dias Toffoli – e a ala que tem referendado as condenações de Moro e dos outros juízes da Lava Jato – Fachin, Cármen, Luís Barroso, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Celso e Rosa Weber têm sido pontos de equilíbrio, o primeiro de tendência garantista, a segunda menos.
Na Segunda Turma, que julga os casos da Lava Jato, a maioria garantista é quase sempre formada por Gilmar, Lewandowski e Celso, contra Fachin e Cármen. Se a migração dela para a ala garantista se revelar consistente e duradoura, estará ampliada a maioria contrária à lava jato na turma – e dissolvida, a no plenário.
As implicações se estendem para além do caso de Bendine e do sítio de Atibaia que animou Zanin. No caso do triplex no Guarujá, em que Moro condenou Lula à prisão, a defesa desistiu de dois pedidos de suspeição dele, e um terceiro foi rejeitado na Segunda Turma. Ainda há um quarto, que inclui as mensagens atribuídas a Moro e aos procuradores da Lava Jato pelo Intercept Brasil.
O plenário também deverá tomar uma decisão sobre a execução das penas depois da condenação em 2ª instância, com base em dois processos relatados por Marco Aurélio. Tanto na turma como no plenário, o voto de Cármen sempre foi dado como certo em favor à Lava Jato. Não é mais.
C/Globo