Jailson Jorge Juff Andrade, mais conhecido por Juff, atual presidente do Cruzeiros do Norte, afirma que o grupo adotou este nome devido aos clubes de Futebol e Andebol que já possuíam esta designação e decidiriam que seria uma mais-valia usá-lo porque vinha ganhando reconhecimento, tanto na ilha de São Vicente como em todo Cabo Verde. O grupo da zona de Cruz João Évora, formado em 1984, ganhou vários prémios nos desfiles oficiais, mas não se contenta apenas com brincar ao Carnaval.
Por: Isana Jeniffer Ramos Lopes
Quem passa pela rua principal de Cruz João Évora não fica indiferente ao som da batucada que preenche a atmosfera. A parte que mais encanta é o cariz social que o grupo incorpora, mas que muitas vezes passa despercebido. O forte compromisso social é o que se nota quando se aborda qualquer integrante do grémio, a começar pelo presidente do grupo, passando pelo diretor, rainha de bateria, porta-bandeira, até aos foliões. Por isso foi-lhes impossível ignorar o fato de muitas pessoas carenciadas da localidade de Cruz João Évora não terem, pelo menos, uma refeição quente por dia. Com essa preocupação em mente, e com a ajuda de uma madrinha que prefere ficar anónima, garantiram meios que lhes permite oferecer um prato quente diariamente a pelo menos 30 pessoas. Contudo, o foco não é apenas as pessoas – inclui também a natureza.
O facto de a pandemia ter impossibilitado o desfile nas ruas do Mindelo, e no âmbito de um documentário sobre as aves marinhas e as aves selvagens de Cabo Verde, que contou com o apoio de instituições/empresas públicas e privadas, levou os integrantes do CN a fazer uma limpeza geral na praia de Jôn Debra e em todo o litoral do Norte da Baía. Recolheram quilos de lixo e entulho que provocam várias mortes de animais endémicos na orla marítima da ilha de S. Vicente. Dois foram os objetivos do projeto “Praias Limpas”: primeiramente, manter o litoral limpo, a fim de os animais dependentes das praias viverem fora de perigo. Em segundo lugar usar estes mesmos lixos na confeção de trajes de carnaval.
A ave marítima denominada Fragata, que praticamente não se vê mais a sobrevoar o mar de Cabo Verde desde 2016, transformou-se numa preocupação tão grande que os membros do grupo resolveram fazer um desfile voltado para a sensibilização acerca deste fenómeno.
O primeiro desfile foi de forma “secreta” numa praia longínqua porque a pandemia estava em alta e eram proibidas aglomerações. Depois, com o abrandamento dos casos de Covid-19, repetiram o desfile na Lajinha, a praia mais popular de S. Vicente. Desta vez com direito a trio elétrico, carros alegóricos e foliões mascarados de aves. A preocupação do grupo não é apenas brincar ao carnaval, mas consciencializar que os atos de cada cidadão têm reflexo direto na vida tanto das pessoas como do meio ambiente e dos próprios animais.
Possuidores de uma bateria que promete inovação, desde compor e cantar as próprias músicas do carnaval, sentem a necessidade, que é também a de todos os grupos carnavalescos de São Vicente, de um estaleiro onde possam produzir os seus trajes com segurança, bem como de um museu, onde todos os trajes e carros alegóricos possam ser postos em exposição, como forma de atração, não só para os locais, mas para os turistas que estão a aumentar na ilha.
O Carnaval do Mindelo é história e a história deve ser contada e apreciada. E segundo os praticantes da festa do Rei Momo mindelense, um museu seria uma aposta forte para motivar os organizadores e participantes do carnaval a irem cada vez mais longe.
Rainha de Bateria
Andrea Gomes, com pseudónimo Brodjinha, integrou-se no grupo no ano de 2017 através da agência de modelos a que pertence. A agência foi convidada pelo grupo para ter uma ala no desfile daquele ano e Brodjinha foi o destaque. A experiência foi tão boa que ela decidiu ser integrante fixa do grupo, tendo ganhado por dois anos consecutivos (2019 e 2020) o prémio de rainha de bateria (prémio atribuído à musa que acompanha os ritmistas). Para quem não sabe, a rainha desfila mesmo à frente da batucada, sambando e encantando a avenida ao ritmo dos tambores.
Sem palavras para descrever o carinho recebido por parte do grupo, Brodjinha não sente apenas que ama o grupo, mas que o adora e venera: “mi k t goxta de pertense a kel grup, N t AMA faze parte de Cruzeiros do Norte” (Não gosto de pertencer ao grupo, amo pertencer ao Cruzeiros do Norte).
Segundo Brodjinha, sempre disse que decidiu pertencer ao grupo devido a amizade que nutre com Juff. No entanto, diz, o convívio com os outros integrantes do grupo também é excelente. Apesar de amar desfilar na avenida no dia do Carnaval, de receber o carinho do público por onde quer que vá, da diversão e da seriedade dos ensaios, abraça também as causas sociais projetadas pelo grupo. Mesmo que a vida de modelo não lhe dê muito espaço para estar sempre presente nas atividades, tenta ao máximo participar dos projetos sociais e, recentemente, integrou a equipa de limpeza da praia de Jôn Debra bem como no desfile na praia da Lajinha.
A entreajuda e a união do grupo não é fragilizada pela falta de dinheiro. Como diria o próprio presidente Jailson Juff, “ax vex dfikuldad finansera k t txa gent kumpeti d´igual p igual ma otx grup” (“Ás vezes, as dificuldades financeiras não nos permitem competir em pé de igualdade com outros grupos”), mas isso não impede que o amor ao carnaval esmoreça ou se apague.
Bateria Ritmo do Norte
Nuno Gonçalves, mestre de bateria desde o ano de 2018, ritmista desde 2001, segundo os familiares, tem o ritmo do carnaval a correr nas suas veias. Foi convidado pelo grupo CN para dirigir uma oficina de percussão, com a finalidade de criar a própria bateria do grupo, porque antes o grupo Cruzeiros do Norte desfilava com tocadores contratados. O projeto recebe crianças, adolescentes e jovens com comportamentos considerados problemáticos na sociedade. Além de aprenderem a tocar, também aprendem valores que os fazem crescer como bons cidadãos.
A Bateria Ritmo do Norte já foi convidada para tocar em casamentos, para a recepção do Remex (grupo que faz a travessia Mindelo-Porto Novo a remo), eventos no Mansa Floating, com o Ministério da Cultura e também para algumas atividades da Câmara Municipal, como o Fórum “Pensar São Vicente 2035”.
Vários dos projetos já estavam na gaveta, mas foi a pandemia que estimulou o grupo a colocá-los em prática. O intuito dos projetos sempre foi sensibilizar o público para questões ambientais, porém estes mesmos abriram várias portas para outros projetos e reconhecimentos, principalmente da Bateria Ritmo do Norte. A bateria está apostando na criação das próprias músicas, tanto na composição das letras quanto do próprio ritmo, algo que Nuno Gonçalves sempre achou faltar nos grupos carnavalescos. Afirma que há uma diferença grande entre a criação da música por músicos profissionais e depois tocada pelos ritmistas, e a composta e tocada pela bateria.
A bateria está de portas abertas para quem quiser participar ou contribuir, quer oferecendo o seu tempo, trabalho e arte, quer financiando as atividades e projetos do grupo.
Estudante do 3º ano da Uni-CV (polo do Mindelo), na Licenciatura em Línguas e Culturas – Estudos Cabo-verdianos e Portugueses