A cantora Maria da Cruz “Shia” Pinto acaba de lançar um Single e um videoclip intitulado “Escritório na Rua”, com letra e música da sua autoria que retrata a situação actual decorrente da pandemia da Covid-19. Descreve principalmente a preocupação com as pessoas que se dedicam ao comércio informal e que foram obrigadas a ficar em casa, sem qualquer rendimento.
“Escritório na Rua” é um single essencialmente descritivo. Reflecte o ambiente de quarentena em S.Vicente, sobretudo nos primeiros dias depois de o vírus chegar em Cabo Verde, o que obrigou as pessoas a se trancarem em casa com medo. Incomodada com o que via, Shia conta que começou a passar para o papel o seu sentimento, numa altura em que a actualidade nas rádios e TVs eram o números de doentes e a quantidade de mortes.
“Era uma situação difícil e ninguém podia fazer nada. Frustrada, comecei a escrever algumas frases que espelhavam a minha preocupação, sobretudo para com as pessoas que vendem na rua e que, de um dia para outro, foram obrigadas a ficar em casa. São pessoas que, sem trabalho, não têm rendimento. Coloquei-me na sua situação porque também fui criada assim. A minha mãe estava na venda informal e sei das dificuldades que enfrentava”.
A inspiração foi tanta que, segundo Shia, acabou por escrever um “jornal”, que foi obrigada a reduzir para casar com a música. “Se prestarem atenção, ‘Escritório na Rua’ é uma a letra tem muito sentimento e a música pictórica que retrata a realidade actual. No videoclip praticamente não se vê pessoas nas ruas da cidade do Mindelo porque foi gravada durante o período de quarentena e as pessoas estavam trancadas em casa”, explica Shia Pinto, que responde pela letra e melodia deste single.
Esta conta que, posteriormente, contactou o músico Lucindo “Lu” Neves, seu vizinho. Aliás, foi num pequeno estúdio na casa deste multi-instrumentista que gravaram o single. “Primeiro enviei-lhe uma gravação do tema que fiz no meu telemóvel, onde cantava a música a capela. Lu introduziu os instrumentos: violão, cavaquinho, viola de 12 cordas, violino, baixo e piano. Depois chamamos Dario Cruz, que colocou a bateria. Ficou lindo. Entusiasmada, abordei um colega de trabalho, que é aluno de Ciências de Comunicação na Universidade Lusófona, de nome Jardel Barbosa, que gravou o video clipe. Por causa da pandemia, decidimos fazer o lançamento no youtube e também fui levar o single para passar nas rádios e TV.”
Gosto pela composição
Shia Pinto afirma que não é a primeira vez que escreve e grava uma música da sua autoria. A titulo de exemplo cita a morna “Amor e Dor”, uma homenagem que fez ao falecido marido. Também gravou o tema “Baloi d’ Venda” da autoria do amigo Duca Bettencourt. Admite que gosta de cantar mornas e coladeira, aliás a musica tradicional de Cabo Verde é a sua ‘praia’. Mas diz que a música acaba por ser um hobbie, sobretudo neste momento em que a cultura foi colocada em standby. “Tenho muitos amigos que viviam da música e que estão a enfrentar dificuldades. No meu caso, tenho o meu trabalho. Canto e escreve porque gosto muito. É algo que faço com coração”, diz esta artista, que assume ter muitas letras guardadas nas gavetas.
Shia garante que começou a cantar desde menininha, em casa. Fazia os trabalhos domésticos cantando as músicas que ia ouvindo na Radio Barlavento e, mais tarde, na Rádio Nacional. Sabia todas as letras. Mas tarde casou e o marido gostaria de a ouvir cantar, mas dentro de casa. Foi obrigada a fazer uma escolha. Quatro anos após a morte do companheiro, decidiu arriscar e começou a cantar nas noites do Mindelo.
“Comecei no restaurante Cocktail. Recebi muitos elogios. As pessoas me diziam que cantava com sentimento. Interpretava sobretudo musica tradicional de Cabo Verde e alguns brasileiros mais antigos. Hoje sou cantora residente no Foya Branca (sextas-feiras), Cocktail (domingos) e Clube Náutico (uma vez por mês). Também já apresentei no Caravela e Archote várias vezes. Canto ainda, com a minha banda, em casamentos e festas de aniversários. Participamos em almoços-convívios no Sodade. São muitos os lugares onde apresentávamos antes desta epidemia parar tudo.”
A cantora acredita ter recebido o dom da sua bizavó, uma conhecida cantadeira da ilha da Boa Vista. Mas também do pai, que tocava vários instrumentos. Por causa disso, sempre teve música em casa. Esta herança conseguiu passar para a filha Daisy, hoje uma jovem artista das noite cabo-verdianas de S. Vicente. O sonho de Shia Pinto é gravar um CD de músicas inéditas, da sua autoria mas também algumas de amigos, mas a situação financeira não facilita e os apoios são inexistentes, afirma. Mas este é uma sonho de menina que espera concretizar um dia, no futuro.