Considerado um dos mais bonitos de Cabo Verde, um dos responsáveis pela singularidade do Carnaval de São Nicolau é precisamente a motivação por trás dessa festa popular. Na chamada terra de Chiquinho faz-se carnaval por amor. Por amor à brincadeira e à união. Por amor à família, à ilha de Baltasar Lopes, mas também do senhor João e da Dona Maria. Uma longa e árdua jornada de trabalho para levar às ruas da Ribeira Brava uma das principais atracções da ilha e sem a pretensão de receber um prémio no final. É por isso, também, que a tarefa de confeccionar os andores já prende a tenção de jovens e crianças que se colocam na posição de aprendizes e que pretendem, mais tarde, dar continuidade ao trabalho hoje feito pelos artistas mais experientes.
De máscara no rosto, luvas nas mãos e ferramentas em punho, à primeira vista parecem os verdadeiros protagonistas do trabalho que avistamos logo na entrada do estaleiro. Só alguns instantes depois percebemos que, na verdade, o que está por detrás daquele “fato (ou fatinho?) de macaco” é uma criança fascinada pelo carnaval, ajudando no que pode, como se tudo aquilo fosse sua responsabilidade. Alexandre dos Santos, de apenas treze anos, assume, com rigor, a sua tarefa de ajudante, sem desviar o seu olhar atento do profissional que labora ao seu lado.
Estuda a quarta classe, no período de manhã e, à tarde, assiduamente frequenta o estaleiro do grupo Estrela Azul para aprender este ofício que torna possível o brilho do carnaval de São Nicolau. Do mesmo modo, há mais de seis anos que Guilherme de Brito, de 16 anos, marca presença no estaleiro desse grupo, seguindo os passos do pai que é artista plástico. Hoje, Guilherme já ajuda bastante na construção dos andores e poderia fazer parte da nova geração de construtores, se os seus planos, à semelhança de muitos outros jovens da ilha, não fosse procurar uma vida melhor noutras paragens assim que terminar o ensino secundário. Frequenta actualmente o 11º ano na Escola Secundária Baltasar Lopes da Silva e, enquanto estiver em São Nicolau, pretende continuar dando o seu contributo para o bem desta festa que aqui se faz para todos e que, apesar de haver grupos, todos acabam, no final, por festejar e brincar juntos como uma verdadeira família.
É esse o espírito que se sente um pouco por toda a “vila” – que na verdade é a cidade da Ribeira Brava. Bem, parece que a denominação de vila ficou perpetuada como um apelido carinhoso. Voltando. As pessoas vivem o carnaval vários dias antes e o engajamento é em prol de uma mesma causa: fazer um espectáculo bonito e promover a ilha.
Benvindo Lopes vem trabalhando nos andores do Estrela Azul há mais de um mês, quando pediu licença do seu trabalho para se dedicar a este ofício, como um presente para a sua ilha. São no total quinze trabalhadores que dobram a noite fazendo o possível para ter os andores prontos a tempo. Conta Benvindo que, por esses dias, dormir não é, sequer, uma possibilidade. Como as pessoas não vivem dessa arte e têm os seus trabalhos, tudo é feito mais tarde, com o carnaval já espreitando os seus primeiros dias. A par destes soldados, são várias as crianças que frequentam o estaleiro à tarde e que acabam por dar também o seu contributo.
A cooperação para o carnaval de São Nicolau é também dos emigrantes que se deslocam a ilha por estes dias, propositadamente para assistir ou participar da festa. Kelly Spencer este ano é rainha do Estrela Azul, logo na sua estreia no carnaval de São Nicolau. Residente na Itália desde criança, e hoje com 29 anos, sempre sonhou em desfilar no carnaval. Esse sonho se concretiza agora, à primeira como rainha. Entretanto, diz Kelly, no próximo ano quer voltar, mas para desfilar no chão, onde se sente a verdadeira folia.
O carnaval de São Nicolau traçou a sua singularidade em vários aspectos. Até mesmo nas ruas estreitas, que fazem qualquer pessoa, que, pelo menos visite a ilha pela primeira vez, pensar como será que os andores vão driblar o espaço e atravessar a cidade. Este é, portanto, uma das preocupações também de quem os confecciona que, antes de começar os trabalhos, anda pelas ruas de fita métrica na mão, medindo a área que pode, ou não, ter como referência no seu trabalho.
Natalina Andrade (Estagiária)