Rosália Vasconcelos, 82 anos, que perdeu a capacidade de verbalizar na sequência de uma AVC, afinal continua a falar com as pessoas. O instrumento escolhido pela ex-Cônsul de Portugal no Mindelo é a arte, mais precisamente a pintura. Ontem, dia do seu aniversário, esta mensagem resplandeceu e maravilhou os amigos presentes na abertura da exposição “Parcerias de Cores”, que reuniu mais de 40 quadros da sua autoria. No rosto das pessoas era visível a surpresa pela qualidade das telas coloridas.
As obras foram produzidas durante as sessões de terapia, sob a coordenação da fonoaudióloga Ema Soares. “No início, a nossa missão era tentar reabilitar a comunicação, mas sabemos que, devido a extensão da lesão provocada por uma AVC, às vezes não é possível levar a pessoa a voltar a falar. Neste caso, a Dona Rosália pôde passar a comunicar por meio da pintura”, revela Ema Soares.
Segundo esta especialista, a descoberta deste dom foi uma porta que se abriu para resgatar a autoestima dessa portuguesa adoptada pela Cidade do Mindelo, uma mulher enérgica que conseguia desempenhar várias tarefas e a ritmos alucinantes. Para Ema Soares, uma das principais mensagens presentes nas pinturas coloridas da Sra. Rosália é que, mesmo perante a doença, não se pode desistir de quem somos.
“A pintura foi uma ferramenta que ela recorreu para não perder a sua identidade, para continuar a se sentir activa, para poder comunicar com os outros”, considera a fonoaudióloga, que começou a trabalhar com Dona Rosália em 2016 quando a sua terapeuta ocupacional teve que viajar para a Europa.
Quando assumiu essa tarefa, Ema Soares não tinha o mínimo conhecimento sobre as técnicas da pintura. “Juntas, fomos aprendendo uma com a outra”, comenta a especialista, que criou uma ponte de comunicação com a paciente e amiga. Ao descobrirem a magia da pintura, decidiram passar a desenhar todas as quintas-feiras. As figuras e as cores eram sempre por conta da própria Dona Rosália, que ganhou de novo a liberdade de dizer com o pincel o que lhe vai na alma.
Inicialmente, as telas eram produzidas como instrumento de terapia. As mesmas passaram a ganhar tanta beleza, que a autora passou a oferece-las ao marido e aos filhos. “Víamos a felicidade como aceitavam essas prendas, o que lhe dava um enorme prazer”, revela Ema Soares. Neste processo foram mais de cem quadros pintados e mais de 40 expostos no hotel Porto Grande.
Quase toda a gente ficou surpresa com a revelação desse dom de Rosália Vasconcelos, ainda mais na condição em que se encontra. E uma dessas pessoas foi a amiga da família Ana Cordeiro. Segundo as próprias palavras, quando foi convidada para falar nesse evento não escondeu a surpresa porque, apesar da relação pessoal e profissional muito próxima, nunca soube dessa qualidade. “Mas, de imediato pensei para comigo: ´surpresa como, quem conhece a sua força e energia não podia ficar admirada!´. Afinal, ela sempre nos surpreendeu”, exprimiu Cordeiro, pessoa que testemunhou o extraordinário trabalho desenvolvido por Rosália Vasconcelos no Consulado de Portugal em S. Vicente e que lhe valeram duas altas condecorações pelo Governo português.
Para Ana Cordeiro, a doença impediu essa empresária de continuar a articular palavras, mas essa exposição prova que não há enfermidade capaz de fazer Dona Rosália ficar calada. “Dona Rosália continua a conversar connosco. A pergunta é que histórias ela nos conta?”, diz Cordeiro, para quem Rosália Vasconcelos repassa, em primeiro lugar, uma mensagem de amizade e parceria com Ema Soares, uma relação que começou como actividade terapêutica. Através das cores, prossegue, a pintora procura usar elementos vivos, como o vermelho, o verde, o amarelo e azul, mas que transmitem uma sensação de serenidade. Para ela, as obras revelam qualidades técnicas e uma inegável dimensão ética.
Matéria para documentário
Uma das figuras públicas presentes na exposição foi a Primeira-dama Katisa Carvalho, que tem uma relação muito próxima com a família Vasconcelos Lopes pelo facto de trabalhar no Grupo Ímpar, gerido por Luís Vasconcelos. Segundo Katisa Carvalho, começou por conhecer Dona Rosália pela sua dimensão empresarial, tendo percebido logo à primeira a capacidade dela de se desdobrar em várias frentes. Funções ligadas à sua vertente de mãe, chefe de família, empresária, Cônsul e religiosa.
Katisa Carvalho fez questão, entretanto, de realçar o cuidado e amor demonstrado pelo marido, filhos e netos, que procuraram todos os meios para ajudar Dona Rosália a enfrentar essa nova fase da vida. “E o fruto disto são estes lindos quadros. Há de aparecer um curador para fazer a avaliação artística destas obras, mas acho que esta história não deve ficar restrita aos presentes neste acto. É matéria para um realizador fazer um documentário sobre esta pessoa cheia de energia que, de um dia para outro, viu-se afectada por uma doença que a colocou numa nova condição de vida”, considerou Katisa Carvalho, para quem esse episódio ditou uma metamorfose, mas sem nenhuma morte no processo. Pelo contrário, diz, trouxe novos dons que não seriam conhecidos se não fosse a doença.
Na sua curta intervenção, o edil Augusto Neves revelou a falta que Dona Rosália lhe faz na resolução de situações que afligem a população de S. Vicente. Antes, diz, bastava um telefonema para contar com a ajuda da ex-Cônsul. “Isto para vermos a dimensão da pessoa”, pontua o autarca, para quem Dona Rosália continua a ser uma figura importante para a Cidade do Mindelo.
Recorda que esta portuguesa de coração também cabo-verdiana não faltava uma única actividade realizada na chamada ilha do Porto Grande. Hoje ela não consegue aparecer, mas, para o edil, a família Vasconcelos continua a missão de ajudar no desenvolvimento económico e social da ilha de S. Vicente.