O novo Centro Nacional de Artesanato e Design (CNAD), que será inaugurado no próximo dia 30 de julho, foi hoje apresentado no Mindelo à imprensa e convidados. Trata-se de um projecto ambicioso, com um orçamento global superior a 120 mil contos, que, nas palavras do Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, influencia a cidade do Mindelo para além da sua beleza e conteúdo porque é inteligente e adaptado ao seu tempo. “É um edifício que estabelece um diálogo entre Mindelo e a sua periferia. É uma celebração da cultura e da identidade cabo-verdiana, com padrão e qualidade internacional”, declarou Abraão Vicente, que espera um abraço de São Vicente ao centro.
De acordo com o governante, não foi fácil a reabilitação e extensão do CNAD, que exigiu alguma “magia” porque não havia garantia de financiamento e mostrou, logo à partida, um aumento de custo, o que demandou negociações a cada etapa, mais financiamento e engajamento. “Desde o início quisemos fazer um museu no seu conceito clássico, mas que fosse um ícone que influenciasse a cidade e que, para além da sua beleza exterior, também tivesse conteúdo. Por isso, a alegria que sentimos neste momento como equipa é de saber que, para além de bonito, o CNAD é uma entidade com conteúdo e é inteligente, adaptado ao seu tempo e será tema de conversação hoje e daqui a 50 anos”, justificou, realçando que se fez um museu moderno, mas que conseguiu manter a história do edifício principal.
Por outro lado, prossegue, ao derrubar os muros, devolveu-se o CNAD à cidade, tendo como ambição futura trazer o exemplo do restauro do edifício antigo para a Praça Nova. “Dizemos que este projecto é ambicioso porque poderia haver ruídos devido ao facto de trazermos a periferia, através das casas de lata e a ideia da não nobreza do material utilizado, para o centro. Mas o gabinete de arquitetura Ramos e Castellano teve a inteligência de fazer alterações que ultrapassaram o Caderno de Encargos, que previa apenas melhoramentos no edifício e acabaram por criar um ícone para a cidade do Mindelo”, constata o ministro, para quem, com esta obra, arranjou-se “uma mulher bonita para o Monte Cara”, que reflecte toda a densidade e profundidade que é estar nas artes e na criação da identidade do povo.
Para Abraão Vicente, esta é, sem dúvida, a grande obra do mandado anterior deste Governo, um centro cultural que não é novo, que é a continuidade de um processo pós-independência e um trabalho de gerações, o que faz com que este projecto seja colectivo e colaborativo. “Este é um edifício com vida própria, construído de raiz, desde o acervo até os escritórios para ter uma melhor programação possível, com uma loja e um pátio que pode ser aberto ao público ou fechado para programação artística privada. E que vai abrir, no dia 30, com um ‘monstro da nossa cultura, Alex Silva, que nos deixou muito cedo. Creio que a sua obra, na inauguração, ao lado de Luísa Queiroz e Bela Duarte é a prova extrema da união de gerações e uma homenagem justa a alguém que soube antecipar o centro com o ZeroPoint Art, com uma linguagem e atitude própria. O CNAD é uma nova visão, que não é nova. É aquilo que tem sido a ideia do Mindelo em Cabo Verde, uma cidade vanguardista.”
Tecedura complexa com várias linhas
Coube ao director do CNAD, Irlando Ferreira, fazer o enquadramento do centro, da sua história, pensamento subjacente e visão, desde 1976, a partir da Cooperativa Resistência, que tinha como base afirmar Cabo Verde independente pela via da sua cultura aos dias actuais. Sobre este particular, destacou os ganhos registados mais recentemente, em 2018, com o reconhecimento do Centro, enquanto instituto público, passando de uma situação fragilizada do ponto de vista da sua existência para um instituto público vocacionado para a arte, artesanato e design. “Mas é importante realçar que todo este trabalho que mostramos hoje iniciou bem antes, lá nos anos 1970 com os artesãos que foram se formando junto com a nação cabo-verdiana”, ressaltou este responsável.
Hoje, prosseguiu, o CNAD ambiciona ser uma plataforma de desenvolvimento e promoção cultural sustentável, com reconhecimento nacional e internacional assente num projecto arquitetónico que amplia e restaura o edifício antigo e cria um outro completamente novo, num aprofundado trabalho de curadoria que parte do acervo desde a origem até aos dias de hoje e numa forte identidade visual nova, que o posiciona no mundo com uma visão abrangente. “Temos diferentes espaços que dão corpo ao CNAD e que tiveram como propósito homenagear e reconhecer o trabalho feito pelos fundadores até a nossa chegada. Neste sentido, temos a Galeria Manuel Figueira, a Galeria Zero que honra o Alex Silva e receberá artistas emergentes e novas dinâmicas criativas, a Loja, o Museu e um pátio que faz a conexão entre dos dois edifícios e que serve como espaço multiuso para concertos, instalações, etc.”
No edifício novo, construído de raiz, Irlando Ferreira destaca o acervo João Fortes, as galerias Luisa Queiroz e Bela Duarte, fundadoras do CNAD, o Centro de Investigação e Biblioteca Nhô Damásio, o Laboratório Experimental de Artesanato e Design Nhô Briga, que é também um espaço de residência e que servirá para receber artistas de outras ilhas e países, e os escritórios. “Cada espaço do CNAD tem um pensamento muito claro. Não são espaços aleatórios porque também o projecto arquitetónico nasce da visão daquilo que queríamos que o centro fosse para o futuro. Há um pensamento integrado entre arquitectura e visão que se pretende para o CNAD”, assegurou.
Do ponto de vista da curadoria, de acordo com este responsável, o principal objectivo foi compor um espelho em que a população se possa reconhecer e ser reconhecida como uma nação multifacetada, diversa e com uma grande riqueza cultural. A identidade visual, afirma, nasce da Interceção entre o local e o internacional do artesanato e das novas linguagens digitais, fruto de um trabalho moroso com a AC Braind Design Studio, para mostrar o significado do CNAD para Cabo Verde.
Já a nível da programação para o dia da inauguração, o director do centro destacou uma performance de Caplan Neves intitulado “A coroa das Cabras na urdidura dos sonhos” em frente ao CNAD; inauguração da criação cabo-verdiana “Percursos”, com Adélia Borges e Irlando Ferreira na Galeria Manuel Figueira e da Fundação Emergência do Diogo Bento na Galeria Zero, seguido do concerto Luzência no pátio. Sobre este concerto, esclarece, em diálogo com os arquitectos, Vasco Martins criou uma partitura com as cores da fachada metálica do CNAD.
A programação prevê ainda, segundo Ferreira, a inauguração da exposição “Fios” de tapeçaria cabo-verdiana, introduzida no país pelo CNAD, e a performance “Idiota” na Galeria Bela Duarte, com instalação de Marlene Freitas, em diálogo directo com Alex da Silva.
O director do centro aproveitou para agradecer toda a equipa que abraçou o projecto com sentido de responsabilidade e dignidade. Um agradecimento extensivo ao Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas e ao Primeiro-ministro pela materialização do projecto e o nível do investimento, aos empreiteiros, fiscais, empresa Ramos e Castellano, com enfoque sobretudo nos fundadores do Centro, artesãos e designers.
Para além do MCIC e do Director do CNAD, houve intervenções via zoom de Adélia Borges a partir de São Paulo, que explicou a exposição “Percursos”, assinada conjuntamente por Irlando Ferreira, explicando as obras como um retrato antropológico da cultura de Cabo Verde e a tipologia dos materiais utilizados ao longo dos tempos: olaria, tapeçaria, têxtil, pano de terra, de entre outros. Ainda de Ana Cunha e Gonçalo, que explicaram todo o merchandising à volta do centro, as inspirações e interações com os artistas locais, seguida de uma longa e detalhada explicação de Eloisa Ramos, responsável junto com Moreno Castelhano pelo projecto de arquitectura do Centro Nacional de Artes e Design.