O filme-documentário “Nós, Povo das Ilhas”, co-realizado por Elson Santos e Lara Sousa, acaba de ser premiado no Hot Docs Canadian Internacional Documentary Festival e Blue Ice Docs. Este prémio, o quarto consecutivo, sendo o terceiro internacional ainda em fase de produção, é considerado “um balão de oxigénio” por Elson Santos que, não obstante a pandemia da Covid-19, ter atrasado os prazos iniciais, espera ter “algo pronto” já em 2022.
“Nós, Povo das Ilhas” foi seleccionado entre 83 inscrições de 24 países. Destes, quatro vão receber uma bolsa de desenvolvimento e quatro de produção. Além do financiamento, cinco dos beneficiários do subsídio vão receber apoio em forma de laboratório de cineastas criativos e actividades de desenvolvimento profissional ao longo deste ano, incluindo um programa de mentoria online e acesso a mentores da indústria cinematografia. “O filme vai receber 10 mil dólares canadenses, cerca de seis mil euros. Para além do valor monetário, vamos ser acompanhados constantemente, ou seja, ter uma mentoria durante um ano”, informa Elson Santos.
O documentário conta a história de 31 jovens cabo-verdianos que, cansados da miséria e da fome, embarcaram rumo a Cuba numa operação secreta, com o intuito de receber formação militar para libertar Cabo Verde do colonialismo. Receberam a alcunha de “Grupo Cuba”. Segundo Elson Santos, boa parte dos cabo-verdianos desconhece este capítulo da história da luta de libertação, por isso a importância de fazer este registo, pela voz dos próprios protagonistas. “Este prémio não nos coloca pressão porque já estamos pressionados pelo tempo por causa da idade dos protagonistas. A nossa preocupação é com a qualidade, que é o nosso combustível para esta produção. Estamos preocupados apenas em fazer um trabalho que vá ao encontro das expectativas das pessoas que confiaram em nós”, pontua.
Elson Santos, que é um estreante nestas andanças cinematográficas, admite que o cinema em Cabo Verde tem evoluído positivamente nos últimos tempos, mas não a nível de documentários históricos. Este protagonismo, afirma, tem sido assumido sobretudo por Portugal, através da RTP. “Mas penso que é fundamental que sejamos nós a contar a nossa história. Por isso, a expectativa também é maior. Temos uma pressão própria de trazer estes factos a lume e levá-los a todos os cantos de Cabo Verde, à nossa diáspora e ao mundo inteiro.”
Nesta altura, se não fosse a pandemia da Covid-19, Elson Santos acredita que o projecto poderia estar mais avançado, como aconteceu com tantos outros um pouco por todo mundo. Neste caso em particular, é mais complicado porque os protagonistas são do grupo de risco e fazer as filmagens envolve uma equipa. “Aproveito por isso para agradecer aos Comandantes Pedro Pires e Agnelo Dantas, Júlio de Carvalho, com quem tenho falado com mais frequência, e os demais, pela disponibilidade demostrada desde o início em colaborar com este projecto”, avança.
A ideia de transformar esta história em filme surgiu em 2015, conta Santos. Depois de um interregno de dois anos em que esteve a trabalhar em São Vicente, foi retomado com o início das investigações e montagem do dossier. Seguiu-se a mobilização dos financiamentos, felizmente com sucesso sobretudo no exterior. São já três prémios internacionais e um entre-portas. “A Associação de Cinema de Cabo Verde foi o nosso primeiro financiador. Concorremos no primeiro edital e estivemos entre os seleccionados. Mas a pandemia mudou tudo. Por exemplo, os festivais estão a acontecer a nível internacional em formato online, diferente do ano passado em que estivemos no Tenerife.”
Resgatar a memória
Nesta altura, recorda-se, este documentário que resgata a memória vida da luta da libertação, foi seleccionado para participar no festival e mercado internacional de cinema documental MiradasDoc, vertente Afrolatam, dedicado a iniciativas originárias da África e da América Latina. “Tivemos uma grande interação com o público no MiradasDoc, agora é tudo virtual como aconteceu agora no Hot Docs. E para filmar a preocupação é ainda maior. Por exemplo, em Cabo Verde a Covid-19 tem vindo a oscilar, o que por vezes obriga ao cancelamento dos trabalhos. Temos de entender a situação por causa da idade dos protagonistas porque vamos ter de levar equipas de filmagens para suas casas. Mesmo com todas as medidas preventivas, haverá sempre algum risco para os entrevistados”, constata.
Elson Santos diz, no entanto, estar esperançado de que as coisas vão acontecer, evocando a necessidade de resgatar e valorizar a memoria viva, ao invés de retardar e ter de recorrer a terceiros para contar a história que ouviram falar. “Estamos numa corrida contra o tempo. Esta é uma história pouco divulgada e sequer conhecida por maioria da geração pós-75 e tem de ser contada agora, quando ainda restam pelo menos 10 dos 31 protagonistas. E nem todos nas melhores condições de Saúde”, reforça, acrescentando que parte significativa dos visados reside em São Vicente.
São os casos, por exemplo, de Amândio Lopes, Silvino da Luz e Olívio Pires. Ainda: “Toy” de Suna, que sofreu um AVC e Onofre Chantre que faleceu no ano passado. Junta-se ainda a estes os comandantes Pedro Pires e Agnelo Dantas, na ilha de Santiago, e Júlio de Carvalho, na ilha do Sal. O filme-documentário “Nós, Povo das Ilhas”, refira-se, resulta de uma parceria Soul Comunicação (Cabo Verde) e Kalunga Filmes (Moçambique) e é uma co-produção de Edson Santos e Lara Sousa, considerada por Santos uma “grande mais-valia” para este projecto.