Começou ontem a inscrição para as primeiras aulas de violão e piano na recém-inaugurada sala de música Luís Lima, uma homenagem do admirador e amigo Funá Évora a esse conceituado compositor de mornas e coladeiras. O espaço, que não é uma “escola” no seu verdadeiro sentido, fica na residência desse reparador geral na Vila Nova, e foi aberto, segundo Funá, para eternizar o artista Luís Lima, autor de composições famosas como a morna Dor di nha Dor, gravada por Bana.
“Costumo dizer a brincar que conhecer Ti Liz custou-me 2.400$00. Isto porque tive um cliente e eu disse-lhe que o meu sonho era arranjar dinheiro para ir a Portugal conhecer o Luís Lima pessoalmente. Ele riu-se e disse-me que não era preciso gastar tanto porque o Luís estava em S. Vicente. Fiquei tão contente com a novidade que lhe prometi fazer o trabalho de graça caso ele me levasse a conhecer o meu ídolo. E o trabalho custava 2 mil e 400 escudos”, contou Funá, no seu jeito brincalhão, às 10 pessoas que estiveram na inauguração da sala, entre as quais o edil Augusto Neves e o artista plástico Ró.
Esse acto simbólico aconteceu no dia 5 de Julho, data em que Luís Lima completou 67 anos de vida. O momento foi aproveitado para esse punhado de amigos cantarem os parabéns ao autor das mornas “Lágrima e súplica” e “Anjo negra”. O acto aconteceu dentro da pequena sala, que foi ornamentada com antigas “cadeiras de escola” e tem capacidade para acolher 16 alunos. Segundo Funá, o local está disponível para quem quiser dar aulas de música e formações noutras áreas.
Abrir essa sala foi uma promessa que Funá fez ao artista. Isto aconteceu, conta, depois de ter organizado uma homenagem ao compositor na Academia Jotamont há coisa de dois anos. Nesse dia, revela, garantiu a Luís Lima que iria fazer algo maior para eternizar a sua obra.
Para o agraciado, esse gesto homenageia tanto a sua pessoa como a cultura cabo-verdiana. “É um gesto humilde e bonito para todo o Cabo Verde. Hoje a nossa Morna está a trilhar o seu percurso para ser considerada património mundial. A Morna já foi menina-moça agora quer ser reconhecida como uma mulher, cujo seio amamentou a nossa cultura maior. A Morna é um instrumento que moldou a nossa nação e deu um sentido a muitas gerações”, comenta o compositor da coladeira “Velha bichica” gravada por Maria Alice.
Foi ainda criança que Luís Lima descobriu a sua veia artística e contestatária. Nascido em Santo Antão em 1952, no vale do Paul, cedo se apercebeu do sofrimento que atingia as gentes do mundo rural. Era no tempo colonial, mas isso não o impediu de contestar e relatar as discriminações que assolavam a vida do povo cabo-verdiano. Já em casa costumava ouvir o pai a tocar violão, algo que ajudou a despertar nele a vertente musical.
No entanto, aos oito anos viria a ser atingido pela paralisia infantil. Doente, foi levado para a ilha de S. Vicente e tratado pelo Dr. Fonseca. Após algumas melhorias, regressou a Santo Antão para continuar os estudos. “Depois regressei a S. Vicente para o teste de admissão da quarta classe. Na prova de desenho mostrei duas crianças brincando, uma pobre e outra rica, e desenhei o Salazar com um com braço com dois dedos e pernas deformadas. Fui chumbado”, conta Luís Lima.
Apoquentado pela doença, Luis Lima teve que ser evacuado para Portugal já em cadeira de rodas. Mesmo nesse estado, não deixou a sua veia artística ser atrofiada tal como acontecia com o seu corpo. Continuou a escrever e a compor as músicas dentro da cabeça. Quando precisava, cantarolava as mesmas a um músico, como é o caso do guitarrista Vaiss, para fazer a harmonia musical. Hoje tem na vitrina da cultura cabo-verdiana uma série de composições, sendo a mais conhecida a morna Dor di nha dor, eternizada pela voz do Bana.
Kim-Zé Brito