Em 2016, quando a fotografa alemã Juliete Brinkmann visitou a Roça da Alegria em S. Tomé, provocou, sem saber, uma lufada de esperança em José Barbosa de Pina, um idoso de 98 anos que sonhava regressar a Cabo Verde antes de morrer. “Ele perguntou-me como cheguei a S. Tomé. Disse-lhe que foi de avião. Ele respondeu: ‘mentira, vieste de barco! Quero voltar com você para Cabo Verde!. Ele só acreditou que eu estava a falar a verdade depois que o meu namorado confirmou que fomos de avião”, recorda Julie, como é tratada em S. Vicente.
O idoso, segundo a fotógrafa, ficou tão desanimado que começou a chorar. Para ele, era a derradeira esperança de ver a sua terra natal. Emocionada, Julie prometeu ao velho conhecido que aquilo que podia fazer era retratar a vida dos cabo-verdianos nas roças de S. Tomé numa exposição.
Seis anos depois, a fotografa cumpre a sua palavra. Desde domingo que está patente no Centro Cultural do Mindelo cerca de 30 quadros sobre os homens e mulheres que partiram para “longe”, rumo a um destino desconhecido, que se revelou penoso demais. Foram e poucos, pouquíssimos, regressaram. Por isso, Julie baptizou a exposição com o título “Txód pa trás” (deixado para trás), rostos envelhecidos, olhares ternurosos que escondem histórias pessoais e colectivas esquecidas no tempo.
“Todos conhecem a saudade da terra. Nas ilhas de Cabo Verde em S. Tomé e Príncipe é mais do que um sentimento. É um sentimento que forma a identidade e constitui um importante motivo cultural”, diz a autora, enfatizando que as ilhas estão ligadas por um passado trágico, ao mesmo tempo unificador, que ainda ecoa na mentalidade dos ilhéus.
Até hoje, Julie não sabe explicar a verdadeira razão que a levou a viajar para S. Tomé. A explicação mais plausível pode ser a melancolia retratada nos parcos versos da música Sodade, um hino nacional registado pela cantora Cesária Évora. Nesse longínquo país, a fotografa mergulhou num mundo de florestas exuberantes, onde não falta água e comida, mas também na dor latente daqueles que foram e nunca mais voltaram. “Ao mesmo tempo que vivem num paraíso, não têm acesso à educação e a um sistema de saúde. Sequer têm dinheiro para comprar livros ou pagar o transporte para as aulas”, explica Julie, que tenta usar o poder da fotografia para mostrar a capacidade de sobrevivência desses cabo-verdianos. Para o efeito, mistura rostos cansados com memórias das estruturas onde viveram, ou melhor, as suas vidas foram delapidadas pela exploração humana.
Pessoas que assinaram “contratos” sem saber ler nem escrever, concedendo aos colonos portugueses poderes para usar a sua força laboral pela eternidade em troca de nada. É que, diz, em S. Tomé há uma porta de entrada, mas nenhuma para a saída.
Para Julie não deixa de ser ironia ter encontrado o velho José Barbosa de Pina mergulhado num mundo de vã esperança na chamada Roça da Alegria. Hoje, ela não sabe se esse velho amigo continua vivo ou se já partiu para o além. Cumpre, no entanto, a sua palavra com a exposição “Txód pa trás”, patente no átrio do Centro Cultural do Mindelo até finais de Abril.