Família “movida” a tambor homenageia pai no Centro Cultural do Mindelo

Uma família de tocadores de tambores decidiu protagonizar um momento de toca esta sexta-feira no Centro Cultural do Mindelo para homenagear o pai, Hipólito José Miranda, que foi um dos maiores tocadores e construtores deste instrumento da ilha de São Vicente e que conseguiu passar o seu legado para a esposa e filhos – homens e mulheres -, e para os amigos.

Serão mais de 20 tocadores no palco do CCM neste reencontro familiar, que demorou cerca de três décadas para acontecer. É que alguns irmãos residem no exterior e dificilmente conseguem conciliar a sua estada em São Vicente, diz José “Djidje” Miranda, o mentor desta iniciativa.  “Vamos começar a tocar no largo na frente do CCM. Depois seguimos para dentro, levando connosco as pessoas ao som dos nossos tambores. No palco teremos mais de 20 tocadores, entre irmãos, sobrinhos e netos”, explica.

Segundo Djidje, reunir a família era um desejo antigo, que finalmente conseguiu realizar. “Há mais de dois anos fiz uma proposta aos meus irmãos de fazermos algo em conjunto. Foi difícil porque alguns são emigrantes, mas conseguiram marcar a sua viagem para o mês de Junho. Decidimos então fazer esta homenagem ao nosso pai, que foi tamboreiro e que nos ensinou a tocar. Queremos deixar um registo para os nossos filhos e netos”, relata.

Este lembra que, depois que apreender, os irmãos costumavam fazer desafios de toca, acompanhando o pai e a mãe, um legado que também querem passar aos seus descendentes. “Queremos que os nossos filhos, sobrinhos e netos vejam aquilo que somos capazes de fazer e que tentem fazer o mesmo. Infelizmente, ainda não vi nenhum com qualidade para dar continuidade á este legado. Sabem tocar, mas não tem o mesmo prazer.”

Tocatina

A actividade de hoje faz parte de outras que esta família tem vindo a fazer por estes dias. Por exemplo, no dia 23, deslocaram em comitiva à localidade de KM 6 onde existe uma casa de família, construída no início da década de 70, para fazer uma tocatina.  “Tocamos na nossa casa e na de alguns vizinhos com quem convivemos durante a nossa infância. Depois, fizemos uma tocatina, com violão e cântico. Foi um momento especial”, conta Djidje.

Depois, seguiram para Ribeira de Julião onde protagonizaram um show na pequena praça de cimento que, de acordo com este nosso entrevistado, foi construída logo após a independência, em 1975, e que, desde então, recebe os tocadores que animam esta festa de romaria. Foi uma viagem ao passado quando, ainda jovem, tocaram no mesmo espaço com o pai.

Djidje lembra que, na altura, não tocavam apenas nas festas de romaria. A família era convidada para muitas actividades político e partidárias que aconteciam em São Vicente, inclusive chegaram a mostrar os seus dotes no então estádio da Fontinha e na Praça Amílcar Cabral para os mindelenses.

Actualmente, é o único que continua a tocar. Mas este ano fez questão de, no dia 24, estar na Ribeira de Julião com os irmãos. “Fizemos um percurso deste a cidade até a Ribeira de Julião, ao som do tambor, para brindar o nosso pai. Construi tambores para os cinco irmãos, a minha irmã, para os sobrinhos e netos. Fomos acompanhados por muitas pessoas.”

Exímio construtor de tambor

Para além de tocar com mestria, Djidje se destaca por ser um exímio construtor de tambor, uma arte que também aprendeu com o pai e que, diz, gostaria de perpetuar entre os seus. “Entre os meus irmãos fui o único que aprendeu a construir este instrumento, que sempre esteve presente na nossa vida. Infelizmente, os meus filhos não demonstram interesse em aprender.”

Mas, como não é de lamentar, prefere disfrutar deste momento sublime com a família. “O início destas comemorações foi com a minha mãe, que tem 90 anos, a tocar tambor, na nossa casa, antes de iniciarmos a romaria à Ribeira de Julião. Quando estou a tocar tambor o sentimento é de felicidade extrema. É algo que me deixa eufórico. Depois que o meu pai faleceu assumi a toca ainda com mais força para poder manter acesa esta paixão”, revela.

O amor pelo tambor foi trazido de Figueiral de Santo Antão pelo pai, Hipólito Miranda, em 1946, quando decidiu fixar residência em São Vicente. Foi morar em Fonte Filipe (Casa Nova) e construi um tambor, que estava sempre a tocar. Era presença garantida nas festas de romaria: 03 de Maio em Salamansa, 13 e 24 de Junho na Ribeira de Julião e 29 em S. Pedro.

Na falta de acompanhantes, decidiu ensinar a sua arte. “Lembro, ainda muito pequeno, de algumas pessoas na minha casa a aprender a tocar com o meu pai, caso por exemplo de Faia Engraxador, que ficou conhecido como um grande tamboreiro, e Nhô Frank, que ainda hoje participa dos desfiles com o seu tambor e ´navizim` de San Jon”, recorda Djidje Miranda.

É por isso, com orgulho, que esta família, que é movida a tambor, decidiu fazer esta singela homenagem ao Sr. Hipólito tamboreiro, em São Vicente.

Constânça de Pina

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