O Centro Cultural do Mindelo recebe amanhã em estreia o espectáculo Ami.lCar, uma peça teatral da autoria do artista Djam Neguin que propõe uma viagem futurista inspirada no pensamento de Amílcar Cabral, com recurso às tecnologias digitais. Para evitar interpretações erradas, o autor faz questão de esclarecer que a obra não é propriamente uma biografia de Cabral.
“A partir deste personagem, tirei alguns apontamentos sobre a sua história e o seu pensamento para construir a peça. Optei pelo título Ami.lCar para mostrar que sou eu (a mi), a minha forma de falar sobre Cabral”, enfatiza o artista, em entrevista concedida ao Mindelinsite. Djam Neguim admite, entretanto, que a proposta da obra surge enquadrada na celebração do centenário deste heróico combatente da libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde do jugo colonial português, mas sem enaltecer o culto à personalidade. “Na peça, brinco um pouco sobre quem pode ter sido Cabral num show muito videográfico, um trabalho que surge numa era em que a sociedade vive imersa em telas preenchidas por imagens”, reforça.
Segundo Neguin, as próprias imagens do espectáculo remetem a várias coisas, momentos e sensações, indo de uma cena cómica para outra dramática. Isto porque tende a mostrar a dicotomia entre o desenvolvimento tecnológico em contraste com um planeta à beira de um colapso ambiental. Neste contexto, recorre à formação profissional de Amílcar Cabral, que foi um agrónomo.
“Cabral é o ponto de inspiração, o motor para tudo. No fundo, a obra é para refletirmos sobre como podemos falar de Cabral a partir de outras narrativas enriquecidas com as novas tecnologias. Repare que não estamos ainda habituados em C. Verde com a magia da realidade virtual e o uso de hologramas”, diz Djam Neguin, que envolveu uma equipa técnica na produção do show. Apesar de aparecer a solo no palco, tem por trás especialistas que criaram uma imagem 3D de Cabral, clonaram a voz, fazem a sincronização de voz e imagem e produziram hologramas…
Para Neguin, os artistas devem saber aproveitar o poder da tecnologia de informação e comunicação. Acentua que, por enquanto, esse poder está concentrado nas mãos de grupos financeiramente fortes e com tendências hegemónicas, que podem tentar apagar a memória da história. “Se não nos apoderarmos também dessa tecnologia, que pode ser adaptada às artes, mas sem retirar o poder da arte, corremos o risco de uma nova dominação cultural, nomeadamente por grupos racistas”, considera.
Djam Neguin confessa estar ansioso por mostrar o seu trabalho ao público mindelense amanhã à noite no Centro Cultural do Mindelo, uma peça teatral que, alerta, exige muita atenção da plateia. O espectáculo será apresentado no dia 20 na Cidade da Praia.