Quarenta e três peças de pintura, batik e tapeçaria compõem a exposição intitulada “As cores incendiárias de Bela Duarte”, inaugurada na noite de quinta-feira no Centro Nacional de Artesanato e Design (CNAD) perante uma assistência bem composta que se mostrava ávida de apreciar este “recital”. A mostra, da responsabilidade do curador multicultural luso António Pinto Ribeiro, foi possível porque muitos proprietários aceitaram ceder as obras, que foram expostas em paredes pintadas propositadamente de amarelo vivo para destacar ainda mais o trabalho.
Em declarações ao Mindelinsite, Ribeiro Pinto agradeceu a oportunidade que lhe foi oferecida de poder entrar no universo de Bela Duarte, tanto do ponto de vista das suas obras como das histórias contadas pelos filhos. “É, de facto, de uma enorme generosidade esta disponibilidade com que o Patcha nos abriu o ateliê, nos deu informações, andou conosco como se fôssemos detetives à procura de obras nas casa das pessoas que vivem no Mindelo. Foi foi entusiasmante e também uma forma de descobrir o universo da vida das pessoas do Mindelo”, explicou, reconhecendo a dificuldade dos proprietários em abdicar das obras por meses para poder viabilizar a exposição patente nas galerias do CNAD.
Para o curador, esta mostra da obra de Bela Duarte, na sequência das exposições anteriores dedicadas ao Manuel Figueira e Luisa Queiroz, vão colocar o CNAD no mapa das artes no Atlântico. “Bela Duarte, Manuel Figueira e Luisa foram heróis antes do tempo. Estavam à frente pela sua militância artística e cultural, pela pesquisa, trabalho técnico que faziam e correspondência internacional que tinham com pessoas da Europa, dos EUA e de África. Estavam também à frente daquilo que era um projeto enorme de educação artística que nem sempre foi possível levar ao seu término”, pontuou.
Sobre a exposição em si, de acordo com António Ribeiro Pinto, como bem frisou Bela Duarte, ela pinta as cores do Mindelo, do Monte Cara ao Por do Sol, do azul do mar, o roxo das rochas e o verde. “Esta paleta de cores deu origem ao notável trabalho que ela fez. São cores vibrantes e que incendiam. A exposição parece um fogo imenso que está a arder no meio das galerias. São 43 peças, divididas por batik, pintura e tapeçaria. Bela Duarte passa de um suporte para o outro, mas os temas são muito próximos e têm a ver com o quotidiano mindelense: o amor na praça, as peixeiras, etc.”
António “Patcha” Duarte admitiu estar orgulhoso ao ver o percurso artístico da mãe Bela Duarte, uma contribuição de mais de 40 anos de trabalho. “Desde o retorno da minha mãe a Cabo Verde, após concluir os seus estudos em Portugal, no inicio da década de 1970, ela fez uma aposta firme no resgate daquilo que eram as tradições artistas e culturais do país, mais precisamente do artesanato tradicional, junto com o Manuel e Luísa Queiroz. Esta exposição é uma amostra daquilo que foi o seu contributo para a memória cultural de Cabo Verde”, afirmo à este diário digital.
Segundo o entrevistado, Bela Duarte levou o seu trabalho para Portugal, EUA, França, Bélgica, Senegal e Costa do Marfim, mas sempre que se faz uma mostra daquilo que é o manancial cultural de um artista acaba por contribuir para a sua projecção, sobretudo este que é um verdadeiro recital. “Esta exposição é um recital e temos de o entender assim porque foram selecionadas as melhores obras que tivemos acesso. Minha mãe tem trabalhos espalhados pela nossa diáspora, mas também em varias instituições do Estado na Praia. Foi difícil conseguir trazer estas obras pela sua dimensão. Há obras na Assembleia Nacional, ministérios dos Negócios Estrangeiro, da Cultura, etc. ”
Ainda assim, entende que foi possível montar uma amostra significativa daquilo que foi a pesquisa, a investigação desde os primórdios da Cooperativa Resistência, fundada pela mãe, Manuel Figueira, Luísa Queiroz e outros colaboradores. E, felizmente, muitos deles puderam agora estar presentes, caso da Dona Mercedes, Joana Pinto, Dona Clementina Santos, Marcelino e outros. “Todos colaboravam entre si no resgate das antigas tradições. Tenho memórias de incontáveis viagens que a minha mãe fazia para o interior de Santiago. Por exemplo, para Fonte Lima para pesquisa sobre cerâmica, cestaria, pano de obra (hoje Pano de terra). Conseguimos resgatar muitas anotadores das suas investigações”, assegura.
Em jeito de exemplo, cita as investigações com Nhô Briga em Santo Antão e Nhô Damasco em Santiago, que permitiu descobrir as melhores formas de produzir o pano de obra ou pano de terra, atualmente utilizado na indumentária de varias personalidades. Foram resgatamos obras e técnicas ancestrais de produção do pano de terra na ilha de Santiago e de tapeçarias em Santo Antão. “A família não tem muitos exemplares do seu trabalho. A maior parte das obras aqui expostas são propriedade de privados. Foram adquiridos ou oferta da minha mãe. Pensamos conservar aquilo que são exemplares, mas ainda não decidimos o destino. Obviamente iremos dar o melhor destino artístico à essas obras. Em articulação com a minha irmã, vamos procurar o melhor destino para estes apontamentos.”
Já em articulação com a mãe Bela Duarte, ainda antes do avançar da doença, o arquiteto António Duarte explica que acordaram doar todo o acervo bibliográfico, constituído por títulos de arte moderna, técnicas e tipos de tapeçarias, pintura e batik ao Centro Nacional de Artesanato e Design (CNAD). “Estamos a fazer isso neste preciso momento. Vai ser doada toda a biblioteca de titulo ao Centro. Não faz sentido os livros que a minha mãe adquiriu ao longo dos anos continuarem fechados. É uma oportunidade para outros pessoas terem acesso a edições de títulos que já não se fazem.”
Para o director do CNAD, Artur Marçal, a exposição é uma celebração da vida e da obra de Bela Duarte, mas é também o cumprimento de um compromisso com os fundadores da instituição. “Hoje curvamos perante a grandiosidade de Bela, Manuel e Luisa Queiroz e agradecemos o legado que nos deixaram. Mas este reconhecimento não se esgotam estas exposições. Há todo um trabalho de catalogação, no sentido de dar maior visibilidade aos três artistas, tanto em Cabo Vede como a nível internacional. Estas três figuras são uma referencia incontornável na historia das artes plásticas em Cabo Verde.”
Artur Marçal aproveitou para agradecer aos proprietários que cederam às obras para a exposição que, afirmou, só foi possível porque há uma relação de confiança, de amizade e cumplicidade entre estes o Centro de Artesanato. Agradeceu igualmente o curador da exposição, que considerou ser um amigo de Cabo Verde e acredita no trabalho que tem sido feito no CNAD, Leão Lopes, que escreveu o texto do catalogo com mais de 20 mil palavras, que vai ser disponibilizado ao público em forma de brochura.
De referir que, a anteceder a abertura da exposição, os artista Bau, Zé Afonso e Luís Baptista protagonizaram um momento musical sublime.