Duas dezenas de mestres, que receberam hoje no Mindelo os seus Cartões de Artesãos, mostram-se satisfeitos com este “reconhecimento do seu percurso profissional” e com as perspectivas que se abrem, nomeadamente com a sua credenciação para ministrar formações. Já o Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, entende que se deu o primeiro passo com a substituição do artesanato estrangeiro por uma produção genuinamente cabo-verdiana e para a formalização das profissões ligadas às artes. Vai permitir ainda a inscrição dos artesãos na Segurança Social, a tributação e o contributo do sector para o PIB nacional. Por isso mesmo, o ministro promete uma fiscalização rigorosa. “Seremos implacáveis, sob pena de jamais conseguirmos que os nossos artesãos ganhem visibilidade nos negócios em Cabo Verde”, diz Abraão Vicente.
Mas, mais importante, prossegue o ministro da Cultura, é que se começa a tarefa de substituir o artesanato que se vende nas ruas como sendo “made in Cabo Verde” pelo genuinamente nacional. “É um processo longo, que dará poder ao Centro Nacional de Artesanato e à própria Polícia, depois de formada, para remover das ruas tudo o que é falso e que está a ser vendido de forma errada como sendo produto de Cabo Verde. Estamos aqui a começar um processo de certificação”, indica Abraão Vicente, realçando que, relativamente aos artesãos, o Governo está a reconhecer todo o seu percurso. “Não é apenas o acto simbólico, como aliás disse aqui o artesão Simplício Gomes, com o Cartão também podem dar aulas, participar do sistema de ensino formal e informal. Podem ainda ministrar, por iniciativa própria, todas as formações.”
Sobre este particular, Abraão Vicente explica que o diploma que cria o Cartão do Artesão foi assinado pelos ministros da Cultura, das Finanças, da Segurança Social e Saúde e significa que, pela primeira vez em Cabo Verde, o sector artístico está formalizado. O passo seguinte será estender este processo aos demais sectores, ou seja, reconhecer o músico de profissão, o artista plástico e outros. “Começamos pelo sector do artesanato porque é o único que tem um instituto a tratar especificamente deste sector. Mas este trabalho teve os seus custos. Estamos a falar de cerca de 20 mil contos do Orçamento do Estado, gastos na configuração do diploma agora aprovado e publicado, recolha de dados a nível nacional, elaboração da plataforma digital, de entre outros.”
Todo este trabalho vai permitir, de acordo com o ministro, que sejam mapeados os hotéis, lojas de artesanato e instituições que queiram saber onde e que tipo de artesanato se faz em Cabo Verde. Vai permitir ainda que mesmo o artesão que nao tenha espirito empreendedor seja contactado por interessados em adquirir o seu trabalho por encomenda. “Para isso, temos de garantir que os artesãos usem de forma eficiente e intensiva esta plataforma. Mas este é só um instrumento que vamos ter de afinar, fazendo o devido acompanhamento. O artesanato tem um instituto que vai fazer este trabalho. Creio que, com a instalação total do CNAD, é isso que vai acontecer”, clarifica.
Reclamações
Confrontado com reclamações de artesãos que alegaram que apenas os “idosos” receberam o Cartão de Artesanato e o Selo do Artesão, Abraão Vicente garantiu que as pessoas não têm por quê reclamar. “Entregamos hoje cartões aos mestres-artesãos, que são depositários de um património imaterial que não podemos deixar perder. Mas todo o jovem-artesão que quiser ter o cartão pode se inscrever e passar por uma fase de certificação”, indicou o ministro, aproveitando para esclarecer que nem todos vão conseguir.
De fora ficarão, por exemplo, as pessoas que vendem pinturas e/ou outros produtos estrangeiros nas ruas, que terão de provar que têm habilidades para serem reconhecidos como artesãos cabo-verdianos, sob pena destes serem apreendidos. Os produtos expostos para venda nos hotéis e loja que também não tiverem o selo “made in Cabo Verde” serão confiscados. “A lei já foi aprovada. Agora vamos iniciar todo o processo de certificação e verificação. Vamos começar por socializar estas leis com os hotéis e unidades turísticas, precisamente para que as pessoas possam conhecer os procedimentos. Mas não é um processo que se resolve de dia para noite”, assevera.
O trabalho de fiscalização vai ficar a cargo da Polícia Nacional e a Municipal, que vão receber uma formação. Abraão Vicente adverte que serão implacáveis com os prevaricadores, sob pena de jamais conseguirem que o artesanato nacional ganhe visibilidade nos negócios no país.
Beneficiários satisfeitos
Os agradecimentos, em nome dos mestres-artesãos, ficaram a cargo de Simplício Gomes, que disse trabalhar desde os 14 anos com tudo o que seja arte feito em Cabo Verde, tendo passado e ministrado formações em São Tomé e Príncipe, Portugal e em vários municípios da ilha de Santiago. E hoje, aos 65 anos, viu reconhecido o seu trabalho. “Vejam como um papel é caro. As pessoas colocam os filhos na escola para terem um reconhecimento similar para poderem viver. Os universitários precisam ter um diploma. Por isso é que digo que estou satisfeito com este cartão. Tenho de destacar o envolvimento de todas as autoridades – ministério e câmaras municipais – que tudo fizeram para que tivéssemos aqui hoje a receber este cartão, que vai-nos permitir ensinar aos outros que vem para igualmente terem uma vida melhor.”
Satisfação partilhada por Adelina Pina, rendeira da ilha Brava, que se disse tocada por este acto porque é resultado do trabalho que faz desde 1965 e continua a fazer hoje, aos 69 anos de idade, e por João Ramos, cesteiro da ilha da Boa Vista. Este garante que fazer chapéus e balaios de palha é a sua vida. “Já exerci outras profissões, mas gosto mesmo é da minha arte. Actualmente dedico exclusivamente a fazer os meus chapéus e cestos de palha. portanto, para mim, é gratificante receber este Cartão do Artesão, que é um reconhecimento por tudo aquilo que já fiz e continuo a fazer”.
De referir que, antes da entrega dos cartões, foram apresentados e detalhados a Regulamentação do Artesanato em Cabo Verde e a Plataforma Digital do Sistema SiAr. Paralelamente, foi explicado os procedimentos para se fazer o registo. Ontem, na abertura da URDI-Feira Nacional de Artesanato, o director do CNAD, Irlando Ferreira, convidou os presentes a mergulharem na programação desenhada a partir da Música – Poéticas e Visuais. “Trata-se de um dialogo criativo que coloca em discussão linguagens formalmente distintas, porém de génese idêntica – a cultura das ilhas como matriz. Urdi é artesanato, design, música, conversas, partilhas, experimentações…No fundo, trata-se de uma partitura composta na multiplicidade de olhares, ideias e pessoas – um movimento por excelência“, atiçou.
Constânça de Pina