A festa democrática do Carnaval tem sido uma via de inclusão da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais – LGBT – na sociedade mindelense. O papel que o evento desempenha na vida de cada um vai além do brilho nos desfiles como figuras de destaque. Txinda, o pioneiro a assumir a sua homossexualidade sem complexos em São Vicente, foi um dos muitos travestis que viu essa manifestação cultural como uma porta para se assumir perante a sociedade.
“Desfilei numa ala que tinha mais de oitenta mulheres e eu era o único travesti no grupo. Usei um maiô pela primeira vez e, apesar da resistência, as pessoas foram aprendendo a lidar com as diferenças e hoje não há carnaval sem Tchinda”, assegura.
Por mais que tente já não consegue ficar de fora da festa, apesar de este ano ter pensado em ser apenas um dos milhares de apreciadores por falta de motivação. “Não estava no clima, mas meus colegas foram buscar-me e insistiram para ir ver um ensaio. Quando cheguei fui picada pelo bichinho do carnaval e decidi instantaneamente desfilar pelo Estrela do Mar”, afirma este gay que já desfila há 27 anos.
O desfile não é o único campo onde Txinda “brilha” no carnaval. Já trabalhou na forragem de andores, nos adereços, nas fantasias entre outros trabalhos de logística.
Luna é “outra” que não perde uma oportunidade para usar o palco das ruas da Morada para se expressar e ser até o centro das atenções. Há oito anos a desfilar no carnaval, Deri – que assumiu o nome artístico Luna -, começou a desfilar como Mestre-sala no Samba Tropical e depois no Flores do Mindelo. Passou, entretanto, a ser convidado pelos grupos como figura de destaque e o salto alto tornou-se na sua marca registada.
No dia do desfile, Luna – que engana pela sua aparência muito afeminada -, é requisitado mais do que pelo seu “samba no pé” pelos diversos grupos. É que, além de confecionar figurinos das figuras de destaque, trabalha na área de estética como “maquiadora”. “Esta adrenalina já faz parte de mim e consigo dar conta do desfile e do meu trabalho”, afirma o jovem.
“Dona” Ana Ramos Silva, a presidente do grupo de Flores de Mindelo, é categórica ao afirmar que o seu grupo foi uma ponte para projectar a inclusão da homossexualidade no carnaval e na sociedade mindelense. “Havia muito estigma em relação aos homossexuais. Eles viviam escondidos, mas percebi o nível de criatividade que têm e decidi incluí-los no nosso desfile. As pessoas passaram a chamar Flores do Mindelo de grupo de gay, ou grupo de ‘pendelêr’”, conta.
Rapidamente, continua a presidente do FM, outras agremiações carnavalescas notaram e aproveitaram a qualidade que esta comunidade tem, que hoje encontra-se engajada nas diversas áreas dos grupos.
Para Willy, outro homossexual assumido, a comunidade LGBT traz mais brilho ao carnaval. Produzir fantasias faz parte do trabalho deste jovem, que este ano desfila na ala dos passistas do Monte Sossego. “Nesta festa mostramos todo o nosso brilho e o nosso potencial, mais do que noutras festas”, exalta o jovem. O seu colega Freddy Sousa, responsável pela mesma ala de passista do Montsu, é mais incisivo sobre a importância da comunidade homossexualidade. Esta capacidade nata que a LGBT tem, diz, torna mais interessante os desfiles dos grupos. “Nós, gays, aguardamos o ano inteiro pelo Carnaval e a ansiedade faz-nos pensar em todos os detalhes das nossas fantasias”, afirma Freddy, para quem é o palco onde assumem quem realmente são devido ao nível de aceitação que encontram em São Vicente, ilha que ele considera ser a ilha mais aberta à convivência com os homossexuais.
Sidneia Newton (Estagiária)