Carnaval das homenagens e das emoções mostra que é, de facto, o maior espectáculo de Cabo Verde

Foi um Carnaval das homenagens e das emoções o espectáculo que os cinco grupos oficiais ofereceram aos milhares de pessoas que ontem à noite lotaram o centro da cidade do Mindelo. Cely Freitas, Lily Freitas, Dulce Matias e Onésimo Silveira são as quatro figuras da cultura cabo-verdiana já falecidas que foram enaltecidas respeitosamente por Vindos do Oriente, Monte Sossego, Cruzeiros do Norte, Estrela do Mar e Flores do Mindelo.

O momento mais comovente aconteceu, no entanto, com o desfile singelo do grémio Vindos do Oriente que, no espaço de um ano, perdeu a presidente Dona Lily e o braço direito da mesma, a filha Cely Freitas, que faleceu anteontem e deixou a cidade do Mindelo em choque com a inesperada notícia.

Quando Vindos do Oriente começou a interpretar “Princesinha d’Oriente”, música dedicada a Dona Lily e tocada ao ritmo do Olodum, a emoção tomou conta da Rua de Lisboa. Lágrimas escorreram pelo rosto de muita gente, em particular dos membros da direção do grupo, que percorreram o trajecto sempre de mãos dadas numa corrente de energia em sinal de luto e respeito pela perda de pessoas tão especiais como foram mãe e filha.

“Fui invadida por sensações contraditórias: tristeza, porque ninguém pode ficar indiferente num momento destes, e alegria, porque estamos no Carnaval e Dona Lily e Cely ajudaram a colocar a nossa cultura num patamar bem alto. As duas merecem todo o nosso respeito e muitas outras homenagens”, confessa Etelvina Delgado, uma das apreciadoras do grupo Vindos do Oriente.

Abordada pelo Mindelinsite, São Delgado, membro de Mariventos, uma empresa fundada por Josina Freitas, filha e irmã das homenageadas, teve que buscar forças para tentar expressar o sentimento que lhe ia na alma. “Sabia que este momento seria duro para mim que sou uma amiga, quanto mais para quem convivia mais de perto com Cely, Dona Lily e Sr. Vuca… “, estas foram as únicas palavras que conseguiu pronunciar.

A morte inesperada de Cely Freitas na véspera do Carnaval foi o estímulo ou melhor, o gatilho, para o grupo Flores do Mindelo mostrar o seu respeito pela sua memória. Os “Heaven Angels”, dançarinos ligados ao Vindos do Oriente e que este ano optaram pelo “Flores”, entraram na Rua de Lisboa portando fotografias dela e da malograda empresária Lily Freitas.

A competição em si começou com a performance de Flores do Mindelo que apostou este ano no enredo “Renascer num voo”, retratado no andor que representou a mitológica ave Fénix e no carro alegórico que satirizou quem vive com “duas caras”. Para as irmãs Alcinda e Maria da Luz, moradoras em Campim, Flores do Mindelo apresentou um desfile agradável e melhor que o do ano 2020. “Adoro o grupo porque tem um nome forte ‘flor do Mindelo’, a minha cidade”, salientou Maria da Luz, que concordou com o desfile noturno. Para ela, essa aposta trouxe outro esplendor ao show da fantasia.

Opinião contrária tem Irani Segredo, para quem os foliões acabam por “sofrer” com o frio. “Depois do Carnaval há muita gente que apanha pneumonia. Uma cunhada minha morreu de pneumonia depois de um desfile, que antes até era de dia”, comenta a jovem, para quem muita gente está descontente com essa decisão, mas, como diz, o povo tem medo de falar.

Apreciadora do Carnaval, Cidália Rodrigues também concorda com Irani Segredo, pois, para ela, uma coisa é ver o Samba Tropical, outra diferente é aguardar o desfile de quatro grupos. “Nós todos conhecemos o Samba à noite – grupo que nasceu, cresceu e vai morrer sempre com esse desfile de marca. Outra é suportar o frio para ver quatro grupos”, salienta.

Como é natural no Carnaval d’Soncent, a edição deste ano teve o seu momento de polémica quando Estrela do Mar registou um atraso considerável e a organização deu sinal verde para Cruzeiros do Norte avançar como segundo grupo a entrar na Rua de Lisboa. Esta decisão desagradou membros da direção do Estrela do Mar, que justificaram o atraso com dificuldades em transportarem os carros alegóricos do estaleiro para a praça Dom Luis, provocadas por cabos de electricidade e de telecomunicações no trajecto.

Abordado pelo Mindelinsite, o presidente do Estrela do Mar não escondeu a sua revolta pelo sucedido. Segundo Nando, a organização não mandou Cruzeiros do Norte avançar de imediato, mas é evidente que este grupo se posicionou. “E isso prejudicou ainda mais o nosso desfile”, comenta o dirigente do Estrela. Questionado sobre o tempo que levaram para colocar os Reis e Rainhas nos carros alegóricos, Nando respondeu a pergunta com outra interrogação: “E quem é que ajuda os grupos a colocarem as figuras de destaque nos andores?” O grémio, na sua perspectiva, apresentou um bom desfile e agora é esperar para ver se foi penalizado.

Ao entrar no sambódromo, Cruzeiros do Norte deixou clara a sua meta: destronar Monte Sossego com a força do enredo “Três cosa sab”. “Sempre senti que o Carnaval deste ano seria disputado entre o Cruzeiros e Montsú, os dois grupos mais competitivos do momento”, assim pensa Jorge Ramos, que aplaudiu entusiasticamente o pessoal de Cruz João Évora, pois, para ele, o grémio soube retratar a sua sinopse de forma transparente e eufórica. Por aquilo que viu na Rua de Lisboa, o seu grupo do peito elevou a fasquia e é um potencial concorrente ao título.

Quando entoou a potência da sua batucada e tomou de assalto o sambódromo, Montsú fez o ambiente estremecer na Rua de Lisboa.  Junto ao Palácio do Povo, o presidente Patcha confessou ao Mindelinsite a sua satisfação por ver a entrega de todas as alas no desfile. “Está à vista de todo o mundo a qualidade do nosso trabalho e ficamos a aguardar pela decisão do júri”, disse o responsável do Monte Sossego, para quem Montsú foi mais uma vez igual a si próprio: um grupo que emana uma energia contagiante e aposta na qualidade do trabalho artístico, que mostrou de forma transparente o enredo “O Povo das ilhas ainda quer um poema diferente para o povo das ilhas.”

Questionado se a Ligoc ganhou a aposta do desfile noturno, Patcha Duarte foi categórico: “Sempre considerei esse salto uma aposta ganha!”

Mindelo soube aplaudir o regresso do Carnaval após dois anos de interregno. Apesar da polémica sobre a mudança do horário do desfile, o centro urbano não tinha espaço para caber uma agulha.

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