Zandir Santos protesta “elevada” taxa aduaneira em produtos importados, filma e vai preso

O jovem Zandir Santos é o centro da polémica desta vez em São Vicente. Tudo porque este ex-emigrante resolveu contestar a taxa aduaneira aplicada a um produto que importou e decidiu gravar em vídeo o incidente. É que, inconformado por ter de pagar 20 contos de despacho por produtos que custaram 25 mil escudos na América, procurou o director da Alfândega no Mindelo para tentar entender o motivo. Só que, por estar de calção e chinelo, não foi recebido. Entretanto, dada a sua “ousadia” de filmar para expor essa “odisseia” na Alfândega do Mindelo nas redes sociais, acabou por ser preso e identificado pela Polícia Nacional, com o argumento de que é crime divulgar vídeos de instituições e funcionários públicos sem a devida autorização.

Ao Mindelinsite, Zandir conta que, depois de cinco meses de trabalho para montar uma loja online, comprou alguns produtos nos EUA, que serão entregues aos clientes em Cabo Verde. Vieram via Correios mas, como são volumosos, foram remetidos para a Alfândega do Mindelo. “Fui retirar os produtos e informaram-me que teria de procurar um despachante. Por seu lado, este disse-me que vou ter de pagar cerca de 20 mil escudos para despachar produtos avaliados em 25 mil escudos. O despachante viu que este valor é exorbitante, então aconselhou-me a falar com o director da Alfândega do Mindelo sobre a possibilidade de fazer um despacho de caderneta, o que reduziria o valor para 30% do custo do produto, ou seja, 7.500 escudos. Depois de fazer as minhas contas, estava disposto a pagar este valor, apesar de ainda o considerar um bocadinho puxado”, explica.

Zandir conta que foi à Alfândega e foi atendido pela recepcionista, que contactou o director pelo telefone e o informou da sua pretensão. “Não sei mais o que falaram, mas a recepcionista contornou o balcão, olhou para mim da cabeça aos pés e voltou a falar ao telefone com o director. Depois informou-me que este não me ia receber por eu estar de chinelo e calção. Entretanto, ela percebeu que estava a filmar e avisou o director, que accionou a Polícia. Quando os agentes chegaram, obrigaram-me a apagar os vídeos, com ameaças de que, caso não obedecesse, iriam confiscar o meu tablet e seria preso”, prossegue este entrevistado, que confirma a eliminação de todos os vídeos, excepto um que publicou no Facebook e que já tem mais de 20 mil visualizações e centenas de comentários. Pessoas que o apoiam por causa dos preços praticados pela Alfândega e que, dizem, penalizam os comerciantes cabo-verdianos.

Depois do primeiro vídeo, Zandir confirma que publicou mais dois, incluindo uma entrevista concedida ao amigo Jailson Santos nos Estados Unidos que, em conjunto, têm mais de 60 mil visualizações. Voltou à Alfândega esta segunda-feira, novamente de calção e chinelo, e encontrou agentes da PN de prontidão no edifício. De novo, o director da instituição recusou recebê-lo e chamou os agentes ao seu gabinete. “Mandei buscar uma calça em casa e, quando os agentes retornaram, já o tinha vestido. E isso pode ser confirmado no vídeo da minha detenção. Mesmo assim, confiscaram o meu tablet, alegando que é proibido filmar agentes e instituições públicas. Segurei o meu equipamento com força para evitar a sua apreensão. Foi então que um dos agentes deu ordem para me levarem à Esquadra. Fui colocado na viatura da Polícia e levado para as instalações da PN.”

Preso por filmar

Na Esquadra, conta, foi-lhe dito que foi preso porque não pode filmar a Polícia Nacional e nenhuma instituição pública, o que questiona porquanto, diz, um vídeo recente divulgado pela Associação para Defesa dos Consumidores (Adeco) deixa claro que não é proibido filmar as entidades públicas.  Zandir revela ainda que os agentes tinham nas mãos um documento, que trouxeram da Alfândega do Mindelo, e perguntaram-lhe porque recusou pagar os valores exigidos. “Disseram-me que o director da Alfândega do Mindelo já intentou uma acção contra a minha pessoa por difamação. Não penso ter difamado ninguém e estou pronto para me defender. Mais: fui chamado de criminoso pela polícia, apesar de não ter sido julgado e nem condenado pela justiça. Estou agora a aguardar um posicionamento da Justiça”, diz.

Mesmo depois de ter sido preso, Zandir Sousa voltou à Alfandega esta sexta-feira de manhã. Precavido, fez um apelo nas redes sociais para ser acompanhado por causa do clima de crispação. E apareceu uma pessoa. “Encontramos um contingente de policiais em frente à Alfândega. Fomos revistados e obrigados a desligar todos os aparelhos de comunicação. Fomos escoltados por um agente e minha câmara ficou fora da sala do director, com quem conversei por cerca de uma hora. Este recusou responder a maioria das minhas perguntas, que incidiram essencialmente sobre as taxas alfandegárias e a sua justeza. Mas mostrou-se disponível para me receber numa outra oportunidade”, revela o jovem, que pretende encontrar-se com Octávio Costa porque, diz, a sua luta é importante. Para este jovem que residiu largos anos no exterior e quer estabelecer-se na sua terra, está em causa o futuro dos comerciantes e das pessoas que pensam abrir os seus negócios.

Aplicar a Lei

Apesar da celeuma, Zandir Sousa diz-se satisfeito porquanto, afirma, o director da Alfândega do Mindelo deixou claro que se limita a aplicar a Lei de forma geral, até porque esse serviço não vê pessoas, apenas mercadorias. Assim sendo, aproveita para desafiar os cabo-verdianos a confirmarem se, de facto, o tratamento é igual para todos. Também comemora o facto de Octávio Costa Alves não o considerar um importador, porquanto não está inscrito nem na Câmara do Comércio e nem na Casa do Cidadão. “Significa que ele não pode justificar os custos, dizendo que sou um importador. Na verdade, sou apenas um jovem que tem uma loja online e que está a testar o mercado para ver a sua viabilidade para, eventualmente, tornar-me um importador.”

Por isso, Zandir recusa-se a pagar os valores cobrados pela Alfândega para despachar as suas mercadorias, até porque, diz, seria mal-visto pelos seus clientes, que teriam de arcar parte desses custos. “Se as pessoas interessadas em meus produtos entrarem em qualquer website nos EUA, podem constatar que comprei uma t-shirt por cinco dólares. Nunca vão aceitar pagar 25 dólares, valor necessário para manter a loja com alguma rentabilidade. Pagar 90% do custo de um produto em taxas é um absurdo. Se assim for, as mercadorias vão ficar na Alfândega”, pontua este jovem, que emigrou para os EUA aos 10 anos, país onde viveu e se formou em gestão. Entretanto, nos últimos quatros anos tem estado a passar mais tempo em Cabo Verde do que na América. “Gosto do meu país, da morabeza e do sol. Tenho os meus avós aqui e quero residir em Cabo Verde, mais precisamente em São Vicente. Esta loja surgiu como uma forma de sustento.”

Abordamos o director da Alfândega do Mindelo, Octávio Costa Alves, que recusou falar sobre o assunto, afirmando que presta contas apenas ao seu superior hierárquico. Este deixou escapar, no entanto, que o serviço que dirige limita-se a cumprir a lei em vigor em Cabo Verde.

Constânça de Pina

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