A UCID convocou a imprensa hoje no Mindelo para acusar a Cabo Verde Interilhas de reduzir os salários dos marinheiros e motoristas e aumentar o frete do transporte das carinhas na linha São Vicente-Santo Antão de dois mil 700 escudos para cerca de três mil escudos. Estes novos valores, de acordo com António Monteiro, começam a vigorar esta sexta-feira, 23, e ocorrem não obstante as promessas de que as tarifas dos serviços prestados seriam mantidas assim como os contratos dos trabalhadores. Para esse dirigente, este quadro mostra que este Governo anda aos ziguezagues em termos de política dos transportes. Por isso mesmo, diz, a UCID exige responsabilidade ao Primeiro-ministro.
Monteiro começa por fazer uma volta ao passado para lembrar que, inicialmente, os armadores nacionais foram colocados à margem deste processo. Por pressão da classe e da UCID, prossegue, o Governo acabou por aceitar que a armação nacional pudesse deter 49% da Cabo Verde Inter-ilhas. Na altura, relembra, o seu partido chamou a atenção do Executivo para os possíveis custos de operação que a CV Inter-ilhas viria trazer aos contribuintes e que constavam do Estudo de Viabilidade Económica e Financeira. “Este estudo mostra que o país terá de suportar encargos a volta dos 700 mil contos anuais. É um valor que vai sair dos bolsos dos contribuintes”.
Na ocasião, frisa, os armadores disseram ter a solução para o problema do transporte marítimo, desde que o Governo colocasse à sua disposição recursos para renovarem a frota, o que não foi aceite. Paradoxalmente, segundo Monteiro, o Governo acaba de anunciar que a Cabo Verde Fast Ferry foi nacionalizada, para surpresa dos cabo-verdianos. “De uma empresa com gestão privada, com accionistas nacionais e estrangeiros, temos agora uma companhia nacionalizada. É mais uma prova do ziguezague deste Governo. Consoante o toque, tem sido o baile do Governo relativamente aos transportes marítimos.”
Para este político, esta é uma situação grave porque mostra que o Governo está a assumir posições em matérias de políticas de desenvolvimento sem antes fazer análises que permitem evitar este desnorte. Outra prova desta instabilidade apontada por Monteiro é o facto desta empresa, que iniciou operações no dia 15 de Agosto, ter confrontado os trabalhadores – capitães, marinheiros, motoristas e maquinistas –, que antes operavam estes mesmos navios, com novos contratos, mas com salários mais baixos.
“A UCID entende que o Governo de Ulisses Correia e Silva, nesta matéria, terá de analisar aquilo que esta companhia está a fazer para permitir que os cabo-verdianos possam usufruir de salários condignos com as suas funções. Não pode trazer uma nova companhia com o intuito puro e simples de render lucros, sendo que, para isso, não olhe para os cortes que estará a efectuar nos salários destes mesmos trabalhadores”, pontua.
Perdas salariais de 20 mil escudos/mês
Trocando por miúdos, Monteiro explica que estes trabalhadores, que antes tinham contratos de trabalho por tempo indeterminado, estão a ser confrontados agora com contratos precários de três meses, renováveis, e uma redução salarial à volta de 20 mil escudos por mês. “Estamos a falar de trabalhadores que assumiram com as suas famílias e com a banca determinados encargos financeiros e que, com estas novas condições, não vão conseguir cumprir com as suas responsabilidades. Esta é uma situação anómala pelo que pedimos ao Primeiro-ministro que mande averiguar a situação e corrigir os erros. Não podemos viabilizar empresas à custa dos trabalhadores, sejam elas nacionais ou internacionais”, pontua.
O mais caricato é que, para além de reduzir as despesas de funcionamento com a redução dos custos com os funcionários, de acordo com Monteiro, os cabo-verdianos foram hoje confrontados com o aumento dos fretes das carrinhas que utilizam os navios para transportar mercadorias entre S. Vicente e Santo Antão. “O frete que antes custava 2.700 escudos passa a custar cerca de 3.900 escudos. E o Governo tinha prometido que não haveria aumentos. Mais uma vez, dá o dito pelo não dito”, desabafa, deixando claro que os transportes marítimos em países insulares devem ter custos comportáveis para que os cidadãos e as empresas possam utilizar os mesmos para fazer fluir a economia entre as ilhas. No caso, estes novos custos reflectem automaticamente na vida dos cabo-verdianos.
Perante esta situação, a UCID desafia o Governo a posicionar-se o mais rapidamente possível e que dê explicações aos cabo-verdianos porquanto a ligação entre as ilhas é de extrema importância. “A ligação marítima é a autoestrada das ilhas. Devemos, por isso, agilizar os processos para que custe o mais baixo possível para que os cabo-verdianos e as suas mercadorias possam ser transportados de uma ilha para outra e para que a economia possa robustecer e crescer. Dizem uma coisa e fazem outra diferente.”
Aumentos ao sabor das empresas
Instado se estes alegados aumentos têm o crivo da agência reguladora, no caso do Instituto Marítimo e Portuário, Monteiro indica que este já não tem legitimidade para definir os preços. Segundo o presidente da UCID, neste momento as responsabilidades do IMP são apenas técnicas. E esta é uma situação que, afirma, estende-se a outros sectores. “O Governo levou ao Parlamento projectos de lei precisamente para retirar esta possibilidade às agências reguladoras. Por exemplo, estivemos recentemente a discutir o processo de privatização da ASA e uma das questões que se colocou é que serão os futuros donos desta empresa a imporem as novas tarifas. As agências reguladoras, o IMP em concreto, não têm esta responsabilidade. Isto significa que os preços estão agora ao sabor das empresas”, anuncia.
É neste contexto que o líder da UCID assaca responsabilidades ao Governo, até porque, diz, no caso dos transportes marítimos, o regulamento do concurso diz que a empresa vencedora deveria trazer ao país cinco navios. No entanto, o PM aceitou que iniciasse as operações sem trazer nenhum. “A única coisa que a CV Inter-ilhas trouxe foi um logotipo, que foi pintado nas laterais dos navios da Cabo Verde Fast Ferry e no Inter-ilhas. Aceita-se porque o Governo entendeu que assim deve ser. A responsabilidade não é do armador, mas sim do Governo que permitiu que isso acontecesse”, completa.
Quanto à informação avançada pelo administrador da CV Inter-ilhas de que o primeiro navio deverá chegar no início do próximo mês de Outubro, Monteiro prefere esperar para ver. Enquanto isso, diz, são os velhos navios cabo-verdianos, que antes não serviam, que vão aguentar as ligações marítimas, com custos para os contribuintes cabo-verdianos. É que, contas feitas, afirma, se os cabo-verdianos pagarem 700 mil contos nos primeiros cinco anos em subsídios, mais 500 mil contos anuais durante os restantes 15 anos da concessão, totalizam 12 milhões de contos. São valores astronómicos que, no entender deste líder partidário, devem obrigar o Governo a repensar toda a sua política para o sector dos transportes marítimos.
Constânça de Pina