Trabalhadores de várias áreas profissionais, liderados por um núcleo sindical, fizeram esta manhã uma manifestação como há vários anos não tinham registado na cidade do Mindelo pelo dia 1º de maio. A adesão sobressaltou à vista e agradou a organização, como exprimiu o sindicalista Tomás Aquino, líder da União dos Sindicatos de S. Vicente.
Este dirigente sindical sabia que a aposta era arriscada visto que 1 de Maio foi transformado basicamente num mero feriado e não no momento de união e luta da classe laboral, como a data é historicamente marcada. Num dia ensolarado, propício a um convívio numa das praias de S. Vicente, os trabalhadores mostraram que o tempo é de reivindicação. Recordam que houve uma diminuição do poder de compra, aumento exponencial dos preços de produtos essenciais, salário mínimo abaixo do nível da sobrevivência…
Assim, profissionais da administração pública, saúde, ensino, etc., criaram um cordão humano e fizeram uma marcha de quase duas horas, que começou no largo da Praça Dom Luis, subiu para Monte Sossego, passou por Alto Sentina e terminou na Rua de Lisboa. Ninguém arredou pé, apesar do sol forte registado hoje na cidade do Mindelo.
Para o presidente da USV, o objectivo primordial “Resgatar o 1. de Maio” foi alcançado. “Quisemos resgatar o 1 de maio porque, como sabem, é um dia histórico, que começou nos Estados Unidos, em Chicago, onde muitos trabalhadores que lutaram pelos seus direitos laborais foram mortos e presos. Hoje estamos a usufruir de direitos que eles deram início a grande custo. Por isso, entendemos que deve ser um dia para homenagear aqueles que deram a vida pelos direitos dos trabalhadores”, comenta Tomás Aquino.
Segundo este porta-voz, a data perdeu o seu sentido em Cabo Verde, tendo sido transformada num dia de passeio e festa. “Não temos nada contra convívio e passeio, mas queremos que os trabalhadores reservem parte do dia para reflexão e luta pela melhoria das condições de trabalho em Cabo Verde”, frisa o sindicalista.
A manifestação, que foi também convocada a nível nacional, visa, segundo Aquino, alertar o Governo e outras autoridades para a situação socioeconómica difícil enfrentada pela população devido ao aumento do custo de vida. A iniciativa visa, deste modo, exigir aumento salarial, em particular do vencimento mínimo, defender a reforma do Código Laboral – no sentido da melhoria das condições laborais e que seja revista também a lei da greve, no tocante aos serviços mínimos. É que, afirma Tomás Aguino, o Governo tem estado sistematicamente a esvaziar as greves com a requisição civil, apesar das queixas feitas na Organização Internacional do Trabalho. Logo, para ele, é fundamental rever o serviço mínimo nos casos de greve.
Vários sindicatos estiveram presentes na manifestação, um deles a Sinapol, sindicato dos agentes da Polícia Nacional. Segundo Cirilo Cidário, esta organização resolveu aderir à iniciativa por concordar com a necessidade de se resgatar a essência do primeiro de maio e devido aos problemas que continuam a afectar a classe policial. Um deles o facto de o presidente da Sinapol estar afastado do serviço da PN faz cinco anos, segundo diz, de forma arbitrária. “Há outras situações, como o reajuste salarial, a excessiva carga horária, falta de efectivos nas esquadras…”, elenca o sindicalista da Sinapol, organismo que representar 205 agentes em S. Vicente.
Os professores estiveram também em força na manifestação. Aliás, Nelson Cardoso afirma que o Sindprof esteve envolvido na organização desde o primeiro instante. E o resultado final deixou-lhe agradado. “Há muito tempo que não tínhamos visto uma tamanha mobilização no dia 1 de Maio. Todos sabemos que a data foi reduzida a passeio e convívio entre os membros das empresas, mas hoje vimos um sinal claro de consciencialização. E estou certo que este será um momento de viragem”, diz o representante do sindicato na ilha de S. Vicente.
O processo de mobilização deste protesto dos trabalhadores foi marcado por um incidente com a RTC, que suspendeu a emissão de um spot publicitário nas antenas da rádio. Segundo Tomás Aquino, foi celebrado um acordo, houve pagamento do serviço, o spot passou algumas vezes, mas foi depois informado telefonicamente que seria suspenso por violar a lei. Segundo Aquino, ficou sem saber quais são as ilegalidades em causa, mas, para ele, essa medida é um puro acto de censura, uma tentativa evidente de se silenciar os sindicatos e os trabalhadores.
“Vamos analisar o caso profundamente e apresentar uma queixa à ARC e se preciso for vamos até os tribunais”, assegura o sindicalista. Tomás Aquino deixou claro que jamais a USV vai permitir que os direitos laborais e a liberdade sindical sejam condicionados por ninguém e nenhuma instituição.