A sentença de sete anos de cadeia aplicada a Amadeu Oliveira pelo Tribunal da Relação de Barlavento será apreciada em sede de recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 17 de abril, mas o jurista vai acompanhar a audiência contraditória por videoconferência em S. Vicente, ilha onde está detido. Esta informação foi assegurada ao Mindelinsite pelo jurista Daniel Ferrer, que se mostra “muito cauteloso” sobre o desfecho desse processo.
Em conversa com este jornal, adianta que há fortes sinais de qual será o veredicto dos três juízes do STJ que vão conduzir a sessão. “Tudo indica que estamos perante um caso de sentença antecipada”, prognostica, acentuando que há situações que jogam contra a pretensão de Oliveira de anular as condenações pelos crimes de atentado ao Estado de Direito Democrático e ofensa a honra de dois juízes do Supremo Tribunal de Justiça, uma delas o facto de o STJ ser “juiz em causa própria”. Basta lembrar, diz, que o juiz Benfeito Mosso Ramos é actualmente presidente do STJ e foi um dos autores da queixa contra Amadeu Oliveira por injúria e difamação a magistrados dessa instância.
Outro facto que o deixa apreensivo é que os acórdãos proferidos até agora pelo colectivo de magistrados do STJ sobre os requerimentos interpostos pela defesa têm sido sempre negativos. Isto é sinal, na sua percepção, de que já têm uma posição pré-determinada sobre a audiência contraditória.
Sobre a sessão em si, este causídico informa que o colectivo de juízes do STJ pretendia fazer uma conferência das partes, em vez de uma audiência pública contraditória. Foi preciso, diz, a defesa bater o pé para os juízes aceitarem agendar uma discussão pública. Porém, a audiência irá decorrer sem a presença física de Oliveira na sala e ainda não se sabe se será permitida a presença de público.
Acrescenta a nossa fonte que, da mesma forma que o STJ aceitou agendar uma audiência pública, os juízes esvaziaram a sua essência enquanto sessão contraditória. “Digo isto porque simplesmente não haverá espaço para o contraditório”, assegura.
Pedido para ser mais claro, a citada fonte explica que a audiência foi estruturada da seguinte forma: o tribunal vai conceder entre 15 a 20 minutos para a defesa dizer o que quiser, depois passa a palavra ao Ministério Público e encerra a sessão. “Isto sem permitir que a defesa apresente novas provas e novas testemunhas”, informa. Na sua opinião tudo isso aponta para um cenário desfavorável para Amadeu Oliveira.
Outro ponto que o leva a acreditar nesse prognóstico tem a ver com o “facto” de o STJ ser “juiz em causa própria” nesse processo. O jurista relembra que o recurso tem também a ver com a condenação de Amadeu Oliveira pelo crime de ofensa a dois magistrados do STJ, um deles o actual presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Benfeito Mosso Ramos.
Este ponto, na perspectiva da fonte, pode suscitar um debate profundo visto que, para ele, isso ocorre porque houve uma falha legal que não previu a possibilidade da criação de um tribunal ad-hoc para situações similares. No seu entendimento, legislador não pensou em cenários tão complexos, como quando uma instância como o STJ julga um processo em que é parte interessada.
“A grande questão é saber qual a solução quando trazemos à baila princípios básicos como a imparcialidade, justeza e equidade das decisões dos tribunais”, frisa o causídico, para quem o caso Amadeu Oliveira deita por terra a imparcialidade do STJ. Aliás, salienta que os juízes do STJ têm demonstrado até agora dificuldades para separar a qualidade de “suposta vítima” com a de decisor imparcial.
Tendo em conta todo o cenário, resta à defesa, na sua óptica, fazer o seu papel, que é desmontar os dois crimes que o Tribunal da Relação de Barlavento proferiu condenação: o delito de atentado contra o Estado de Direito e ofensa a honra a dois juízes do STJ.
Amadeu Oliveira, relembre-se, foi acusado de 4 crimes, tendo sido absolvido pelo Tribunal da Relação de Barlavento de coação/perturbação de funcionamento de órgão perturbação de Órgão Constitucional (STJ) e de ofensa a pessoa colectiva. Acabou, no entanto, condenado por atentado ao Estado de Direito Democrático – por ter alegadamente usado as benesses de deputado para auxiliar o constituinte Arlindo Teixeira a fugir para França quando este estava sob o regime de prisão domiciliária – e por ofensa à honra de dois magistrados do STJ devido a críticas sistemáticas feitas ao funcionamento da Justiça em Cabo Verde. Além disso, o arguido ficou impedido de se candidatar a deputado por 4 anos, prazo que começa a contar após cumprimento da sentença.
O certo é que Oliveira nunca aceitou, em particular, a condenação por atentado contra o Estado de Direito Democrático. Alegou ter sempre agido enquanto defensor oficioso de Arlindo Teixeira e sem nunca recorrer à condição de parlamentar. Negou ainda no julgamento realizado pelo TRB ter tido o apoio de fuzileiros navais e de agentes da Polícia de Fronteira para facilitar a viagem de Teixeira para a Europa.
O STJ, refira-se, é a última instância judicial de recurso que resta a Amadeu Oliveira.