O biólogo marinho Rui Freitas está a estranhar a ausência da componente biodiversidade marinha no projecto de requalificação da orla marítima da Baía das Gatas. Segundo este professor universitário, este seria o momento ideal para os promotores da obra potencializarem estudos de levantamento da “estonteante biodiversidade marinha” dessa baía, em parceria com a Universidade de Cabo Verde e os seus técnicos, e reactivar uma trilha subaquática existente na parte rasa dessa enseada.
“O ambiente submergido subaquático parece estar negligenciado no processo, aliás é tabu o que está debaixo de água. Veja-se que, de facto, os termos ‘marinho’ e ‘biodiversidade’ nem de raspão fazem parte do projecto”, chama atenção o biólogo marinho num email enviado à Câmara de S. Vicente.
Com base nas intervenções previstas para a Baía das Gatas, Rui Freitas entende que uma trilha subaquática identificada em 2010 – no âmbito de um projecto financiado pela organização WWF, a Direcção-Geral do Ambiente e algumas agências – poderia ser reactivada, já que neste momento se encontra em total abandono. Essa espécie de “estrada sinalizada” seria um traçado para mergulhos livres e descoberta da biodiversidade existente nas águas da Baía das Gatas. O trabalho, de teor ambiental e educacional, permitiu a identificação em placas de zonas de corais, algas, berçários e peixes diversos. Apesar do tempo discorrido, as placas submersas e interpretativas da trilha, assegura o especialista, estão ainda tecnicamente funcionais.
“Se não fosse o impacto sociocultural do festival, que extravasa qualquer outro, hoje certamente essa zona podia ser uma Área Protegida devido a sua singularidade natural e ambiental”, enaltece Rui Freitas, que aproveita para lembrar que essa baía já perdeu a sua coqueluche, neste caso os tubarões-gata, que, diz, foram exterminados pela pesca desenfreada.
Entretanto, o mar dessa enseada bastante procurada pelos banhistas ao longo do ano está a enfrentar uma perigosa poluição ambiental, alerta essa fonte. Tudo por causa da entrada freática de nutrientes provenientes das fossas cépticas nos últimos 15 anos. Segundo Freitas, múltiplas evidências debaixo da água mostram uma presença de ciano-bactéria tóxica, instalada na zona entre os dois trampolins. Como diz, o ambiente encontra-se por esta altura sufocado com a proliferação dessas substâncias tóxicas, em zonas usadas diariamente por banhistas.
A preocupação do biólogo foi enviada para a Câmara de S. Vicente, que, em jeito de resposta, lembrou ao autor da mensagem que o documento esteve a consulta pública durante o mês de Maio para recolha de subsídios, logo acessível a quem quisesse contribuir para a sua melhoria. Segundo a Vereadora Tânia Monteiro, a verdade é que a informação sobre a existência da trilha não chegou ao conhecimento da autarquia. Mesmo assim, assegura, essa trilha será preservada porque o projecto não contempla intervenções no mar, a não ser trabalhos de melhoria nos trampolins para crianças e adultos. Os enrocamentos de pedra, diz, serão mantidos para garantir a segurança e a tranquilidade que as piscinas naturais transmitem às famílias. “No entanto, congratulamo-nos com a existência dessa trilha porque damos muita importância à preservação ambiental e à biodiversidade dessa baía. Justamente por isso não vamos fazer intervenções no mar, para podermos preservar a história, o ambiente e a segurança dessa praia”, assegura a vereadora.
Quanto à poluição do mar pelas águas das fossas cépticas, Tânia Monteiro assegura esse aspecto está a ser equacionado. Como enfatiza, a Baía das Gatas não dispõe de uma rede de esgoto nem de uma estação de tratamento de água residual e, além disso, o seu solo coloca alguns obstáculos.
O certo é que o projecto contempla a drenagem de águas pluviais, tratamento da areia, construção de estradas e de um calçadão, melhorias na zona onde ficam as barracas por altura do festival de música, espaço para campismo, serviços destinados aos turistas, além do embelezamento do espaço. O concurso para execução foi lançado a 1 de Maio, as empresas concorrentes têm um mês para apresentarem as suas propostas e o prazo de empreitada é de dez meses.
Kim-Zé Brito