O Presidente da República evocou a separação dos poderes do Estado para rejeitar o pedido de convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia Nacional, com o argumento de que não pode interferir nos processos judiciais. José Maria Neves reconhece a importância do exercício do direito de petição e ao envolvimento ativo e voluntário dos cidadãos no debate, no processo de decisão e na avaliação das decisões tomadas pelos órgãos e instituições, mas alega que a discussão dos efeitos de Acordão do Tribunal Constitucional implica a reapreciação dos fundamentos e da própria decisão.
A resposta foi encaminhada aos representantes dos subscritores, Germano Almeida e José António dos Reis. “O aprofundamento da democracia, no nosso país, requer uma cultura de participação política e o exercício de uma cidadania mais intensa, da qual, esta petição, é certamente, reflexo”, destacou, sublinhando que “o direito de petição, configurado na Constituição como um direito de participação política, inserido no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, confere o direito a um procedimento que, se consubstancia nos deveres de recebimento, exame e comunicação, pela entidade destinatária”.
Por outro lado, lembra, “a Constituição da República afirma a participação democrática como uma das tarefas fundamentais do Estado – art. 7.o, al. d) da CRCV – pressupondo um envolvimento mais intenso dos cidadãos do que exercício do direito de sufrágio ou do direito de eleger e ser eleito, e, para a sua a realização prevê vários instrumentos, incluindo o direito dos cidadãos de apresentar, individual ou coletivamente, aos órgãos de soberania e outras entidades públicas, petições, queixas, reclamações ou representações para defesa dos seus direitos e/ou para defesa do interesse geral (artigo 59.o1)”.
Incidindo sobre a petição pública a solicitar que “requeira ao Presidente da Assembleia Nacional a convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia Nacional, o Chefe de Estado refere que os signatários manifestam a sua discordância com o Acórdão n.o 17/2023 do Tribunal Constitucional, relativo aos Autos de Fiscalização Sucessiva da Constitucionalidade e da Legalidade da Resolução no 3/X/2021, da Comissão Permanente da Assembleia Nacional. Questionam ainda os fundamentos do Tribunal Constitucional para a não declaração da inconstitucionalidade, alegando, nomeadamente que a decisão se estriba, numa prática parlamentar que não respeita as normas constitucionais.
Entretanto, sublinha José Maria Neves, “a intenção expressa pela petição de discussão dos efeitos de um Acórdão do Tribunal Constitucional implica a apreciação dos fundamentos e da própria decisão, e, nessa medida, o seu objeto estabelece uma relação lógica ou de dependência, com uma decisão judicial concreta, sublinhando-se que, o artigo 14.o da LDP impõe o indeferimento liminar de petição, quando a mesma visa a reapreciação de decisões dos tribunais”.
Porém, diz, o PR “não tem, pela própria separação dos poderes do Estado, um qualquer munus constitucional ou legal que lhe permita interferir nos processos judiciais ou nas vicissitudes que estão na base da petição apresentada”. Acresce que, prossegue, atento o disposto na Constituição, tanto no que respeita ao princípio da separação de poderes (número 2 do artigo 2.o da CRCV) como no que respeita à função e independência dos tribunais (artigo 211o da CRVC) “se a Assembleia Nacional for chamada a pronunciar-se sobre matérias, direta ou indiretamente, ligadas a casos que ainda estejam sobre a tutela dos tribunais, tal implica uma tomada de posição sobre o mérito da questão, o que parece configurar uma intrusão na função dos tribunais que o princípio da separação de poderes não permite”.
Tudo isso para concluir que, no âmbito da sua função política, o Mais Alto Magistrado da Nação “não pode, não deve convocar uma sessão extraordinária da Assembleia da Nacional, para apreciar, in casu, os efeitos de uma decisão judicial, mais precisamente, um acórdão do Tribunal Constitucional e os seus eventuais efeitos, pois o poder judicial, por força do já referido princípio da separação de poderes, está cometido exclusivamente aos tribunais”.
Neves elogia, entretanto, o contributo que a petição terá dado para despertar a sociedade civil cabo-verdiana para temáticas de manifesto e relevo interesse público e diz estimar “a continuidade do debate na sociedade civil e o seu aprofundamento na comunidade jurídica, a exemplo do que acontece em sistemas democráticos próximos do nosso, o que pode contribuir ativamente para a produção de um conhecimento útil para a coletividade e, bem assim, para maior tranquilidade no convívio com a dinâmica democrática”. Promete ainda promover, junto da comunidade académica e da sociedade civil, um debate sobre o papel da segurança jurídica na garantia da Constituição, “para que, a final, se gerem consensos que contribuam para a realização dinâmica do Estado de Direito Democrático”.