O Presidente da República diz não se rever no voto de Cabo Verde na ONU sobre Gaza e cita a Constituição, mais precisamente o seu artigo primeiro, para dizer que o país jamais poderia votar abstenção à proposta de cessar-fogo humanitário em Gaza. Este artigo, diz José Maria Neves, reza que “Cabo Verde é uma República soberana, unitária e democrática, que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça”.
Entende o chefe de Estado que, tendo em conta a magnitude do que está a acontecer no Médio Oriente – com uma escalada de violência que se tem traduzido num cenário de absoluta catástrofe humanitária, ceifando já mais de 18 mil vidas humanas, sendo 70% crianças -, o posicionamento de Cabo Verde na votação da resolução ontem na ONU, tendente a um cessar-fogo imediato, jamais poderia ser o da abstenção.
“Importa ter presente que essa situação de total descalabro dos valores subjacentes à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Direito Internacional Humanitário tem, justificadamente, apoquentado a consciência da comunidade internacional e a da sociedade cabo-verdiana em particular. Trata-se de uma catástrofe em toda a extensão”, justifica.
Chama, por isso, a atenção para o artigo primeiro da CRCV, que diz que “Cabo Verde é uma República soberana, unitária e democrática, que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça”. Trata-se de um dispositivo constitucional que, afirma, representa uma baliza muito clara e precisa para desempenho dos seus Órgãos de Soberania, da Administração, dos diversos órgãos e agentes do Estado, seja no plano interno, seja na arena internacional.
“Cabo Verde tem de ser reconhecível, interna e externamente, perante aquilo que a Lei Magna fixa como sendo o seu núcleo definidor. Não se pode desconhecer a Constituição e comportar-se conforme as circunstâncias ou eventuais jogos de conveniência”, adverte, sublinhando que, noexercício do seu dever constitucional de vigiar e garantir o cumprimento da Constituição, enquanto Presidente da República não pode, de forma alguma, deixar de reagir a esse tipo de desempenhos do Estado na arena internacional, mormente num palco tão sensível e importante como é o das Nações Unidas.
Lembra que o mesmo já tinha acontecido na votação da Resolução que visava a abertura de um corredor humanitário em Gaza, também agora, na votação de ontem, o voto abstenção por Cabo Verde não tem por si justificação suficiente, devidamente traduzindo a serena ponderação de todos os fatores, a começar pelos parâmetros constitucionais e a credibilidade externa de Cabo Verde. Neste sentido, defende que em matérias tão delicadas, como de resto em todas quantas se referem à prestação do Estado cabo-verdiano no plano internacional, tem de haver articulação entre os Órgãos de Soberania com diretas responsabilidades de representação externa da República: o PR e o Governo.
“Isso não significa limitação ou qualquer sorte de prejuízo para as competências de cada um; significa, isso sim, funcionamento do dever de lealdade institucional, bem como garantia de melhor prestação por cada um, ou seja, e como resultado, melhor prestação do Estado enquanto um todo. No fundo, há um valor supremo a salvaguardar sempre que é a boa imagem da nossa República. A correta compreensão deste quadro de funcionamento, que é próprio do nosso sistema de Governo, evita equívocos e confusões desnecessários, como seja o de pretender que o dever de articulação se reduz a meras informações de factos consumados”, reforça.
O Chefe de Estado termina avisando que não se reconhece nestas votações e alerta para a necessidade de leal e verdadeira articulação em domínios tão sensíveis para a República, caso das relações externas.