O Presidente da República apresentou Cabo Verde como exemplo da “África positiva e ambiciosa” no seu discurso de encerramento do Fórum Africano da Democracia realizado no centro de convenções da UniCV. Para José Maria Neves, a escolha de Cabo Verde para acolher o encontro é auspiciosa por se tratar de um Estado de Direito Democrático, fundado na liberdade e na dignidade humana, onde a Justiça é independente, a imprensa é livre e os direitos da oposição são respeitados.
Segundo Neves, desde a “hora zero da República”, o arquipélago optou por uma política de paz, não sendo até agora parte dos conflitos e guerras. Pelo contrário, diz, o país defende o respeito pelo direito internacional e a solução negociada dos conflitos.
Numa altura em que os efeitos da colonização voltam a agenda de debate a nível internacional, José Maria Neves afirmou que esse domínio do território africano foi um acto de inimizade e de extrema violência, estribado na supremacia branca e na extração intensiva dos recursos naturais do continente. “Como tem-nos alertado Achille Mbembe (filósofo, historiador e intelectual camaronês), a dominação colonial estriba-se essencialmente no racismo e na violência”, citou o Chefe de Estado cabo-verdiano, acrescentando que as independências políticas não desataram todos os nós da dominação em África. Neves acentua que novas ferramentas foram criadas, mantendo-se mecanismos muito mais sofisticados de subjugação intelectual e económica.
Após as independências, prosseguiu o PR ainda na linha de Achille Mbembe, o racismo e a violência continuaram em muitos espaços enquanto instrumentos de conquista e de manutenção do poder das novas elites. Este processo conta “com apoio de forças externas interessadas na instabilidade e no caos, como expedientes para inviabilizar as independências e viabilizar a continuidade da rapina de recursos.”
Perante este cenário, Neves considera que a governança pós-colonial é extraordinariamente exigente para os Estados africanos. “As condições de governabilidade são muito complexas e difíceis: Estados plurinacionais, com fronteiras arbitrariamente desenhadas pelas antigas potências colonizadoras, fragilidade dos recursos institucionais e humanos, mecanismos de reprodução da dominação e uma ordem mundial orientada para o aprofundamento das desigualdades dos ‘termos de intercambio’”, reforçou na sua intervenção.
Mais de 60 anos após as independências, diz Neves, a África continua a ser fonte de matérias-primas, mas sem acrescentar valor, dada a sua debilidade industrial e, consequentemente, a sua inexpressiva participação no comércio mundial. Na sua visão, a pós-colonialidade requer uma profunda e definitiva rutura com os mecanismos de dominação.
O que efetivamente interessa para a África, na perspectiva de Neves, é que haja liberdade de expressão, canais de participação individual e das múltiplas nacionalidades na formação de políticas e no controlo do exercício do poder. A seu ver, os sistemas presidencialistas atuais têm sido fonte de centralização do poder e do cansaço das instituições. Torna-se evidente, para ele, que devam ser considerados sistemas de governo que garantam a partilha, os limites e o equilíbrio do poder. O Estado, na sua opinião, tem de ser necessariamente democrático e de direito.
O referido fórum foi promovido em parceria pela Fundação para a Inovação da Democracia, a Universidade de Cabo Verde e a Agência Universitária da Francofonia. O evento reuniu desde o dia 26 de junho influentes figuras, incluindo líderes de associações, investigadores, ativistas e representantes de organizações internacionais num diálogo sobre a democracia no continente.