O bom cabo-verdiano não tem dúvida de que o seu principal prato, a Cachupa, que compõe a sua gastronomia tradicional, é uma grande fonte de energia que “dá força e faz crescer”. Esta ideia ganha consistência com o facto de que, de acordo com Paula Mouta – especialista em naturopatia, epigenética e saúde preventiva – existir estudos que confirmam as propriedades do milho que é energético, antioxidante, protetor do coração e até inibidor do vírus do HIV.
Por: João A. do Rosário
Mindel Insite – A dra. Paula Mouta dispõe de um largo conhecimento e prática na área da naturopatia, epigenética, saúde preventiva e do estudo da saúde dos povos migrantes. Nós os cabo-verdianos enquadramos dentro desse estudo da saúde dos migrantes. Como pode descrever esse seu interesse para a saúde em Cabo Verde e dos cabo-verdianos?
Paula Mouta – Sim, enquadram-se na abrangência do projeto de investigação do “Observatório da Saúde dos Povos”. Para nós importa avaliar a saúde das comunidades e seus hábitos modificados fora da sua realidade de origem. A saúde é a união de culturas, experimentos científicos e empíricos, religiosidade e valores humanos.
MI – Qual é a contribuição que pode oferecer aos cabo-verdianos dentro deste nível da sua especialização?
PM – Através de acordos e apoios com o Alto Comissariado das políticas migratórias em Portugal, da Embaixada de Cabo Verde, das empresas privadas fixadas em Cabo Verde e das políticas públicas de saúde em C.V, pretendo desenvolver um projeto de educação em saúde e prevenção primordial, criando 10 Mestres em saúde preventiva para serem eles o elo de multiplicação do conceito em atuação local (ilhas), a partir do ensino básico e académico.
MI – O que é a Epigenética e a sua importância para a saúde dos cabo-verdianos e dos povos no geral?
PM – A epigenética é uma área da ciência que explica que somos afetados por todas as influências à nossa volta e que modificam os nossos hábitos de vida, desde a alimentação aos hábitos de convivência social, estados emocionais, envolvência e hábitos culturais e atividade física.
Por exemplo, o sedentarismo está a gerar pessoas obesas e com diabetes. Cada povo é propenso pela sua mestiçagem desde o século XV, a determinado tipo de doenças. O estudo da epigenética avalia essas alterações ao longo dos tempos e mostra-nos que hoje somos filhos dos nossos tetravós porque estamos a sofrer gatilhos de registo do DNA fenótipo que nos podem ajudar a adoecer ou ter predisposição para determinadas doenças. Os povos africanos são mais propensos a doenças circulatórias e gastrointestinais.
MI – Os cabo-verdianos gabam-se muito por terem alimentado da Cachupa, prato tradicional confecionado à base do milho, daí considerarem serem fortes e de boa saúde. Como podia comentar esta frase?
PM – O milho é um dos cereais mais consumidos pelos seres humanos desde que se começou a desenvolver a agricultura. É fonte de vitamina C – que é antioxidante – e vitamina K, responsável pela qualidade das funções elétricas no coração e no cérebro (sinapses). Contém ferro, magnésio e manganês, oligoelementos minerais essenciais ao bom desenvolvimento dos aminoácidos que geram energia, daí a fama de dar força. É considerado um alimento que previne as doenças digestivas, do coração e ainda atua na prevenção e controle da diabetes e da hipertensão. Há estudos científicos desde 2011 que demonstram que o DNA MAIZE, a proteína que dá a cor amarela ao milho, possui a capacidade de inibir o vírus do HIV e possivelmente de outros vírus de grande ataque ao sistema imune inato.
MI – Que outros conselhos a este nível?
PM – O meu conselho é que se respeite a história antropológica alimentar do passado, adequada à realidade atual e se faça disso o pilar estrutural da alimentação das famílias, mesmo daqueles que são filhos de emigrantes nascidos na diáspora.
O alimento, o melhor medicamento
MI – Uma alimentação saudável é meio caminho para uma boa saúde. Convive ou tem conhecimento dos hábitos de certa forma dos cabo-verdianos e africanos e povos migrantes no geral? O que nos pode dizer da importância desse assunto para o quotidiano?
PM – Como atuo em consultório de medicina preventiva e nutrição oncológica, recebo muitas populações africanas em Lisboa, incluso as de Cabo Verde. Neste momento, infelizmente as estatísticas de câncer de intestino e de estômago não são animadoras. Por isso a minha persistência numa prevenção focada nos hábitos da cultura alimentar de cada população. O estudo dos hábitos alimentares do passado é a chave do equilíbrio de cada povo. Por exemplo, imaginar um nativo lá dos recônditos das ilhas a comer fast food ou sushi é atroz porque a sua estrutura genética não tem enzimas digestivas para assimilar este tipo de alimentos e por isso irá adoecer muito depressa.
MI – Diríamos que a prevenção é fundamental e crucial para uma vida saudável e do bem-estar, concorda?
PM – O alimento é sempre o nosso melhor medicamento. Somos o que comemos, como comemos e quando comemos, razão pela qual existe um estudo sobre o relógio biológico e o nosso ciclo circadiano. A maravilhosa máquina humana é gerida pelo ciclo circadiano de 24 horas e nesse tempo tem fases de atuação que influenciam as funções do nosso metabolismo, criando vida e saúde. Se este relógio começar a atrasar começa a desenvolver doenças. Esta é a maneira mais sintética para explicar como somos tão simples e tão complexos em simultâneo.
Paula Gabriel Mouta exerce a função de Diretora da Unidade de Saúde Preventiva e Epigenética do Hospital de St Louis de Lisboa e do Observatório da Saúde dos Povos. É Presidente da Associação Europeia de Saúde Educativa e Preventiva em Epigenética (AESEP) a qual é Membro do Grupo de Intervenção do Parlamento Europeu sobre os Direitos dos Doentes e Cuidados de Saúde Transfronteiriço.
É autora de dois livros “Crónicas de Bem Viver” e “Chocolate Com Poesia”- que a mesma define como História de Paixões que sintetiza anos de conhecimento e prática na área da naturopatia, epigenética, saúde preventiva e do estudo da saúde dos povos migrantes.