O deputado Rui Semedo considerou hoje no Parlamento “injusto e imoral” pedir a uma pessoa que está a passar fome para aguentar a sua situação. Ulisses Correia e Silva reagiu, apresentando dados estatísticos sobre a taxa da pobreza e acusou o PAICV de tentar levantar a bandeira da fome e lembrar o tempo do Capitão Ambrósio.
O PAICV e o Governo continuam a degladiar-se no Parlamento sobre a existência ou não do fenómeno da fome em Cabo Verde. Esta manhã, o líder do PAICV tomou a palavra e considerou injusto e imoral pedir a uma pessoa que está a passar fome para aguentar, quando, diz os cabo-verdianos não têm feito outra coisa que não seja suportar as suas dificuldades. “Agora, há famílias que não possam estar em condições de aguentar mais”, alertou Semedo.
Para o PAICV, segundo Semedo, é triste ir ao Parlamento dizer que há cabo-verdianos passando fome em todas as ilhas. Assegurou que os membros da bancada da oposição não gostam de dizer isso, até porque a palavra fome perturba os próprios cabo-verdianos, talvez devido a traumas profundas do fenómeno da fome no arquipélago no passado. Segundo Semedo, há quem prefira usar outras expressões para se referir à situação, como, por exemplo, “não levar a panela ao lume”, “insegurança alimentar”, “carência”…, mas que, no fundo, acabam por ir dar ao mesmo.
“Entretanto, todo este trauma não nos pode impedir de ver e enfrentar a realidade”, conclui o deputado, para quem há, sim, famílias a passar fome em todas as ilhas. Para ele, o Governo tem de estar atento a esse fenómeno, e não fechar os olhos à realidade. Cabe ao Estado, a seu ver, acudir as pessoas em dificuldade, trabalhar para que nenhum cidadão cabo-verdiano viva em situação de fome.
A intervenção de Rui Semedo provocou a pronta reação do Primeiro-ministro, que recorreu às estatísticas para demonstrar que havia mais pobreza em 2015, último ano do Governo de José Maria Neves, do que agora. Segundo Ulisses Correia e Silva, nesse ano, a taxa de incidência da pobreza era de 35,2 por cento, tendo baixado para os 26% em 2019, isto após três anos consecutivos de seca. “Em 2015 não ouvi o sr. deputado fazendo discurso de fome e nessa altura havia mais condições favoráveis de penúria e fome”, disse Correia e Silva, para quem Semedo sabe das dificuldades de Cabo Verde e que elas aumentaram com a pandemia da Covid-19.
“Bandeira da fome”
O Chefe do Governo assume que há pessoas com “dificuldades de natureza alimentar”, mas nega usar a expressão fome. Aliás, acabou por dizer, se for procurar “fome”, vai encontrar isso nos Estados Unidos, em Portugal, França, Senegal, Angola… Logo, para ele, o discurso do deputado da oposição é de insensibilidade em relação ao país.
Para Correia e Silva, o objectivo é levantar a bandeira da fome e a imagem do Capitão Ambrósio para se lançar a ideia da convulsão social no país, como se a resolução dos problemas dependesse de uma varinha mágica.
O Primeiro-ministro afirma que a situação social em Cabo Verde poderia ser pior se o Governo não tivesse enfrentado os efeitos da pandemia em 2020. Medidas que passaram pela vacinação, o lay-off, moratórias, abertura de linhas de crédito, diminuição do custo da electricidade e água para famílias carenciadas.