A operação policial realizada no passado sábado, 21 de Setembro, e que culminou com a detenção e escolta à Esquadra do Mindelo de mais de três dezenas de jovens que conviviam na Praça Nova sem estarem acompanhados de uma pessoa adulta, continua a suscitar analises, reações e comentários a favor e contra. No contacto com o Mindelinsite, a Polícia Nacional garante que agiu dentro da legalidade, mas não disponibiliza a legislação que proíbe a presença na rua de adolescentes desacompanhados a partir da meia noite e que, conforme a PN, suportou a operação.
No entanto, a intervenção, que aconteceu no quadro da operação “Verão Segura 2019”, foi criticada inclusive por agentes que estiveram no terreno. Alguns alegam que a PN devia ter agido preventivamente no início e não na despedida das férias escolares, depois da realização de vários eventos, entre os quais festas “I Love” nos bairros e de “Cores”, com milhares de menores.
A reportagem “Despedida das férias escolares: Mais de 30 menores detidos e escoltados para a esquadra do Mindelo” é até agora, dois anos e meio após o lançamento do Mindelinsite, uma das notícias mais lidas, partilhadas e comentadas. E não era para menos. De uma assentada, a PN deteve vários menores e obrigou os pais e encarregados de educação a levantar-se da cama para “resgatá-los” na Esquadra do Comando da PN no Mindelo. Os menores foram transportados em duas viaturas hiaces e estiveram mais de hora e meia na Esquadra, antes de serem liberados para voltarem para casa.
O Mindeinsite encetou, desde então, uma investigação sobre a lei que sustentou esta operação, mas sem sucesso. A ideia era detalhar e responder aos anseios dos pais e encarregados de educação, que questionam a base legal da operação que, dizem, terá impacto nesses jovens.
Apesar dos esforços despendidos até hoje de manhã, foi impossível falar com o Comandante Regional da PN. Além disso, os vários agentes com os quais conseguimos conversar não puderam identificar a lei que suportou a intervenção. Um quadro que se repetiu com o Instituto Cabo-verdiano da Criança e Adolescentes (ICCA) e a Procuradoria da República, que também não souberam identificar essa lei. Igualmente nenhum dos juristas abordados por este site conseguiu dizer, com precisão, se esta lei existe. Um deles limitou-se a dizer que já ouviu falar qualquer coisa nesse sentido, mas não sabe precisar se no Estatuto do Adolescente ou noutro documento.
Internautas aplaudem PN
Ainda assim, a maioria das pessoas parabenizou a acção da PN, afirmando que os menores não podem estar na rua a determinadas horas, sem estarem acompanhados de um adulto. Citam, por exemplo, o caso de Luxemburgo onde, afirma a internauta Filomena Lopes, os alunos não podem andar na rua depois das 21 horas, nem mesmo na companhia dos pais.
Outro emigrante, Ary dos Reis, concorda e diz que uma das coisas que mais chamou a sua atenção durante as suas férias em S. Vicente foi a permanência de menores na Praça Nova até de madrugada, sem a companhia de um adulto e comportando-se como se fossem maiores. “É preciso tomar medidas, primeiramente sobre os pais. Mas, no caso destes não cumprirem o seu papel, é preciso que as autoridades tomem medidas, sem deixar de lado as questões éticas e legais necessárias para intervenções desta natureza.”
Mas houve quem criticasse a acção, caso de Odete Lima, que chamou a atenção para a cena. “Podia ter sido uma boa acção se fosse feita por profissionais, que se supõe terem o dever de zelar pela ordem pública. Mas infelizmente não foi isso que aconteceu! Deram um ´show off`. Na realidade, quando se faz uma queixa, até com provas, nada fazem! Sabem onde há delinquência e sabiam que nessa operação não iriam encontrar nada”, frisa.
Na mesma linha, Edson Antunes considera que se tratou de um show da PN, que devia agir, sim, contra os grupos de gang que fazem distúrbios na ilha. “Praça Nova sempre foi um lugar de convívio de pessoas de todas as idades, dos mais velhos aos mais novos. Não vejo qual é o problema de um menor sem acompanhamento dos pais, desde que não faça nada de errado. Uma pessoa com 16 e 17 anos já deve estar no 11º e 12º ano e sabe o que é certo ou errado”.
Lei “absurda”
Outros, caso de Alexandre “Xazé” Novais, optaram por fazer longas exposições e dissecar a operação. Xazé escreveu, por exemplo, que tem um filho de 16 anos, que anda com colegas da mesma idade, ao qual dará todo o suporte possível para que a “absurdidade desta lei de não permanência na rua” não atinja e nem mude o seu modo de via. “É de uma hipocrisia fatal, como dizem os espanhóis, numa terra onde um ‘titio’ de 50/60 anos pode ter relações sexuais com uma miúda de 16 anos livremente e legalmente. E onde inúmeros meninos e meninas de rua que dormem totalmente desprotegidos ao relento todas as noites e sofrem na pele as mazelas da prostituição infantil e do uso de drogas. Temos outras prioridades e sobretudo outros campos de intervenção onde as autoridades podem de facto ser úteis.”
Este ex-deputado prossegue dizendo que estas “leis copy-paste”, para fazer “bonito”, só servem para estragar a idiossincrasia dos cabo-verdiano não o deixam feliz. Ao contrario, fica extremamente atónito com o rumo que a classe política e uma certa cidadania quer para o país, entre um futuro sustentável social, económica e ambientalmente falando ou um onde só conta o exercício do poder pelo parecer. “Gostaria de ver serem criados, em primeiro lugar, Centros de Acolhimento Infanto-Juvenil em todas as parcelas do território nacional onde deambulam pelas ruas capitães de areia (vulgo mnin d’rua). Esses sim necessitam em primeira mão de enquadramento sócio-educativo.”
As criticas vêm também de dentro da própria corporação da PN. De acordo com um agente que esteve no terreno, não existe uma lei específica que diz que um menor não pode estar na rua. Há sim medidas que determinam a actuação da instituição em caso de consumo de bebidas alcoólicas, distúrbios ou perturbação da ordem pública, o que, diz, não era o caso. “Como os jovens estavam sentados tranquilamente, a PN poderia ter se aproximado e convidado o grupo a ir para casa devido ao avançar da hora. Não concordo com a forma como foram colocados na parede, apalpados e depois metidos num carro, como se fossem criminosos. Depois ainda foram incomodar os pais e encarregados de educação para os buscar na Esquadra, obrigando ambos a aguardar por horas na frente da instituição.”
Para este agente, os jovens têm direito à sua liberdade. Já a PN, prossegue, se quisesse realizar uma acção preventiva ou pedagógica, deveria ter agido no arranque do programa “Verão Seguro” e não no término, depois da realização das festas “I Love”, de “branco” e de “cores”, eventos que contaram cada um com a presença de centenas de crianças, adolescentes e jovens, a partir dos 11 anos. “É um contrassenso. Estas festas contaram com centenas, se não milhares, de menores. Havia bebidas e, o mais caricato, a PN esteve sempre por perto, mas não deteve e nem escoltou ninguém para a Esquadra. Porquê só agora?”, interroga.
Um ex-chefe da PN também confirma a inexistência da lei de não permanência na rua de menores não acompanhados de um adulto a partir da meia- noite. Garante, no entanto, que a polícia actua com base em “medidas peculiares” internas, que suportam operações similares ao realizado no passado sábado em S. Vicente. Aliás, afirma, não foi a primeira vez que foram detidos e escoltados menores para as instalações da política na ilha de São Vicente, que são depois resgatados pelos pais.
Constânça de Pina