O voto de abstenção de Cabo Verde sobre um projecto de resolução submetido à Assembleia-Geral da ONU relativa a situação beligerante na Faixa de Gaza suscitou duras críticas tanto do PAICV (oposição) como do próprio Presidente da República, José Maria Neves. Em causa estava o apoio a uma iniciativa de carácter humanitário apresentada pela Jordânia, subscrita por 40 países, e que apelava a um cessar-fogo humanitário, à libertação de reféns pelo grupo Hamas e a consequente proteção dos civis residentes na Faixa de Gaza, território sob forte ataque do exército de Israel há cerca de um mês e que já provocou milhares de mortos.
Segundo o PAICV, um grupo de 121 países votou a favor da resolução, representando mais de dois terços dos membros da ONU, com o fito de ajudar a acabar com o conflito armado e o consequente sofrimento da população civil nessa área geográfica onde residem mais de dois milhões de pessoas. Desse grupo, diz em comunicado, estão incluídos todos os países da CPLP e da CEDEAO, excepto Cabo Verde, “por decisão do Governo”.
“Trata-se de uma extraordinária manifestação de autoisolamento diplomático, mormente tratando-se de um assunto de natureza humanitária que tem a ver com a prestação de assistência vital a dois milhões de seres humanos encurralados e expostos de dia e de noite a bombardeamentos terrestres, marítimos e aéreos”, salienta o partido da estrela negra, para o qual a decisão do Executivo liderado por Ulisses Correia e Silva significa dar as costas à esmagadora maioria dos países do mundo que estão a tentar encontrar vias para amenizar o sofrimento, as privações e a martirizada população de Gaza. Acrescenta que esse posicionamento é a manifestação e uma “revoltante ausência de sensibilidade para com o povo palestino” e que mancha o prestígio internacional de Cabo Verde.
“Outrossim, constitui uma deriva grave na condução da sua política externa que nos expõe e fragiliza desnecessariamente, num momento de extrema tensão na cena internacional e de reposicionamentos estratégicos das alianças político-diplomáticas, cujas consequências acabarão por ser sentidas a curto ou médio prazo nas nossas relações com muitos países”, reforça o PAICV, frisando que os efeitos dessa e de outras derivas que se vêm esboçando na condução da política externa pelo actual Governo poderão trazer graves danos a Cabo Verde.
O voto de abstenção de Cabo Verde sobre essa matéria suscitou também a reação do Presidente da República, para quem a Cidade da Praia sai prejudicada no campo diplomático internacional com esse posicionamento. José Maria Neves lembrou que Cabo Verde defende a Carta das Nações Unidas e o direito internacional e sublinhou que estava em causa um cessar-fogo para permitir a abertura de corredores de assistência humanitária a civis. Por isso diz taxativamente que não entendeu o sentido do voto de Cabo Verde na ONU.
Para o Chefe de Estado, não se pode abster em tais condições, quando estão em causa direitos humanos e o cumprimento da Carta da ONU. “De modo que o meu apelo é que haja mais concertação interna, não haja timidez na busca de consensos e de entendimento nestes momentos que são cruciais”, disse o PR. Na opinião de José Maria Neves é nítido que Cabo Verde saiu claramente prejudicado com esse posicionamento nas Nações Unidas.