As múltiplas facetas de Amilcar Cabral, enquanto líder, poeta, desportista, engenheiro agrônomo, cientista e humanista foram hoje elevadas na cerimónia de Doutoramento Honoris Causa, a título póstumo, pela Universidade do Mindelo tanto pelo reitor Albertino Graça, como pelos Presidentes da República de Cabo Verde, José Maria Neves, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e ainda pelo Presidente Fundação que carrega o seu nome, Pedro Verona Pires e a filha Iva Cabral. Foi uma cerimónia de consagração e de valorização da vida e obra de A. Cabral, mas que também, nas palavra do reitor, honra e dignifica a Universidade que, neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, completa 20 anos sob o lema “Universidade do Mindelo, 20 anos a crescer e a formar Cabo Verde”.
Coube ao Chefe de Estado de Cabo Verde, na qualidade de presidente da cerimónia, apresentar os cumprimentos aos presentes. José Maria Neves destacou a presença “cintilante e poderosa” dos dois Presidentes da República, de Cabo Verde e de Portugal, nesta cerimónia de consagração no Mindelo, cidade de Claridade que iluminou os caminhos da luta pela liberdade, pela democracia e pelo desenvolvimento. “Amílcar Cabral nunca confundiu a luta pela independência e contra o colonialismo – e não há nada mais sublime na vida de um povo do que a luta contra a subjugação – com o povo português. Tinha um grande afecto pelo povo português, tinha uma grande admiração pela língua portuguesa e, em vários momentos, teria dito que devíamos construir após a independência as mais sólidas relações com Portugal”, frisou, indicando que hoje fala-se de cumplicidade e de parcerias estratégicas. Foram sonhos de Cabral ver estes dois povos em paz e a construir pontos para o futuro.
Por isso, entende JMN que é simbólico estar a testemunhar este acto o Presidente da Republica de Portugal, a antiga potencia colonizadora, e o de Cabo Verde, pátria livre, independente e democrática para, juntos, celebrarem A. Cabral, a independência, a liberdade e a amizade entre os países. “Este seu gesto, Sr. Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, de trazer o Grande Colar da Ordem da Liberdade à Amilcar Cabral é um dos momentos mais poderosos desta cerimónia. Agradeço-lhe como cidadão, como Presidente da Republica de Cabo Verde e como um amigo da família e como um grande admirador de Amilcar Cabral”, reforçou, aproveitando para apelar ao diálogo nos dias actuais e a ler A. Cabral pois nos seus escritos encontram-se respostas para os desafios do mundo de hoje.
Antes, o Reitor da UniMindelo justificou a outorga desta que é a mais alta distinção académica, atribuído à titulo póstumo, Amílcar Cabral, dizendo que ele foi um pensador internacionalmente conhecido e bastante estudado por analistas políticos e sociais e distinguida por vários países, universidades e instituições internacionais. “Em Cabo Verde Amilcar Lopes Cabral já teve muitas distinções, mas esta é a primeira vez que a academia, através da Universidade do Mindelo, outorga uma distinção, nesta cidade do Mindelo em que ele viveu parte da sua juventude e onde concluiu os seus estudos liceais”, afirmou, realçando que com este testemunho pretendem tão-somente reconhecer e iluminar a faceta cientifica de Amílcar Cabral de pensador e pedagogo na abordagem de questões politicas e sociais, no quadro da sua participação no quadro do processo histórico pela emancipação dos povos oprimidos, em especial pela afirmação e reconhecimento das nações cabo-verdiana e guineense.
“Reconhece a nossa academia que só um espírito cientifico, associado a uma grande capacidade de liderança politico-social teria a força e a grandeza para propor a independência de Cabo Verde e Guiné na altura”, enfatizou, citando Cabral que dizia que a independência é um acto de fecundação da história que se traduz por um salto em frente do povo que se liberta. “A. Cabral nunca respondeu ao racismo com atitudes racistas, nunca confundiu o povo português com o regime colonial, nunca alimentou atitudes de ódio ou de vingança tão comuns em certos círculos de poderes africanos ou de dirigentes de movimentos de libertação desta altura. Defendeu sempre que tínhamos de saber aproveitar todas as coisas boas que nos traziam a convivência com povos diferentes, em especial a língua portuguesa, que julgava ser a maior herança do período colonial”, reforçou o Reitor da UniMindelo.
Já o Presidente da Fundação Amilcar Cabral e padrinho do laureado, Pedro Pires, precisou de cerca de 50 minutos para traçar o seu perfil e percurso, de Cabral, líder e inspirador de combates que fizeram os cabo-verdianos homens livres e orgulhosos da sua condição. “Sinto-me honrado de ter sido escolhido pela reitoria desta universidade para apadrinhar a atribuição do titulo de Doutor Honoris Causa ao ilustre concidadão engenheiro Amílcar Lopes Cabral, líder inesquecível da epopeia que foi a nossa luta de libertação da dominação colonial”, pontuou Pedro Pires, atribuindo a sua escolha as relações que manteve e tem prosseguido com o seu combate, a sua obra e o seu pensamento, enquanto presidente da Fundação A. Cabral. “Antevejo nesta decisão, a par de uma homenagem merecida, um compromisso ético com o futuro cabo-verdiano árduo e desafiador que se nos apresenta”, reforçou.
Pires lembrou outra faceta de A. Cabral, no caso o seu amor incondicional para com a mãe, através da leitura de um poema que, do seu ponto de vista, selou um compromisso ético e íntimo de que jamais a decepcionaria, triunfaria nos estudos e seria um homem digno, culto, justo e solidário. Em suma, um pacto de futuro com os seus compatriotas colonizados e oprimidos cabo-verdianos e guineense. “A. Cabral convocava-nos a pensar pelas nossas cabeças, a marchar por nossos pés. Tinha uma visão muito própria, perspicaz e autônoma da historia da humanidade. A sua figura histórica singular representa hoje mais do que a sua ilustre pessoa”, ajuntou, pontuando que a sua obra tem sido matéria de estudo em diversos países. Aliás, disse, um levantamento feito pela Fundação A. Cabral abarcando o período 1964-2020 encontrou 445 textos publicados sobre Amílcar e a historia da lista da libertação.
Seguiu-se a entrega ao Comandante da insígnia e a assinatura do livro de honra ao som da música “Kabral Ka morre”, pelo coral Voz d’ Alma, antes do discurso doutoral do Chefe de Estado de Portugal, que destacou a importância de ser aqui em São Vicente a consagração de Amilcar Cabral. “Tinha de ser aqui na cidade do Mindelo pelas mãos de uma universidade por natureza universal e portadora dos seus valores, em encontro de universitários: um um novo Doutor Honoris Causa desta casa, tendo abraçá-lo um outro universitário com mais de meio século de escola; um cabo-verdiano mas também guineense; o outro companheiro desta jornada académica e humana português; um o presidente e duas independências que só o não foi porque uma coligação de interesses, táticas e estratégias ao serviço do colonialismo, daquelas que a historia se encontra povoada lhe ceifou esta vocação. O outro que convosco vive este momento singular, o Presidente do Portugal”,
Marcelo Rebelo de Sousa, que se mostrou um profundo conhecedor da literatura e da história de Cabo Verde, agradeceu a honra de partilhar este momento inesquecível e terminou dizendo que Portugal se junta ao momento tão rico de futuro para prestar tributo ao “Homem Grande”, Amilcar Lopes Cabral, entregando ao Comandante Pedro Pires o “Grande Colar da Ordem da Liberdade” de Portugal.
Iva Cabral, que interveio por mensagem gravada, saudou o Reitor da UniMindelo e através dele a comunidade académica, agradecendo a decisão de homenagear o pai, Amílcar Cabral, atribuindo-o à titulo postulo o Grau de Doutor Honoris Causa. Felicitou a instituição por seu aniversário, agradeceu o Presidente de Cabo Verde José Maria Neves, que presidiu a cerimónia, o Chefe de Estado de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que fez o elogio académico, e o Comandante Pedro Pires, companheiro de luta de Amilcar Cabral e que apadrinhou o doutoramento. Falou ainda, de forma mais intima, do pai.
A cerimónia de doutoramento arrancou por volta das 10 horas , com concentração no Centro Cultural do Mindelo, onde foi entoado e cantado o poema “Mamãe Velha” da autoria de Amilcar Cabral. Seguiu-se um cortejo pela Avenida 05 de Julho, com paragem na Fragata, mais precisamente na residência da antiga cônsul de Portugal, Rosália Vasconcelos, onde se declarou o poema “Que fazer”, e terminou no auditório Onésimo Silveira na Universidade do Mindelo, onde decorreu a cerimonia de Doutoramento.