Yosmel Cabrera, médico cubano especialista em cirurgia geral, vai apresentar uma queixa na Procuradoria-Geral da República contra a Ordem dos Médicos de Cabo Verde (OMCV), por alegada recusa em aceitar a sua inscrição. Ao Mindelinsite, explica que a ordem condiciona a sua inscrição a apresentação de um contrato de trabalho com o Ministério da Saúde, uma exigência sem sustentação legal. Por ser o único cirurgião com especialidade em cirurgia vascular, continua sendo solicitado pelo Centro de Diálise do Mindelo, mesmo após a sua inabilitação. Entretanto, ultrapassou o prazo de regresso à Cuba, pelo que está interdito de entrar no país por oito anos, sob pena de ser detido por pelo menos cinco anos caso desobedecer esta determinação.
Yosmel conta que chegou aqui no país há mais de três anos, no âmbito do acordo de cooperação entre Cabo Verde e Cuba, com um contrato de prestação de serviço de dois anos, posteriormente prorrogado por mais um ano. Com a sua residência legal estabelecida, solicitou e foi-lhe concedido equivalência na formação recebida como médico especialista. “O meu vínculo cooperativo terminou no dia 10 de abril mas, como a minha família a viver comigo em Cabo Verde, optei por permanecer no país. E, para poder exercer a minha profissão de forma legal, solicitei a minha inscrição na Ordem dos Médico.”
Pagou a inscrição no dia 03 de junho de 2022 e acreditava preencher os requisitos exigidos pelos Estatutos da Ordem, mas também pela necessidade de médicos com a sua formação. Basta dizer que vinha exercendo funções como cirurgião na ilha do Sal, onde neste momento não existem nenhum médico com a sua especialização em serviço. “Estranhamento, sem que a minha inscrição tenha sido recusada, a OMCV exige que eu entregue outros documentos, nomeadamente um contrato de trabalho com o Ministério da Saúde. Esta exigência, para além de não ser legal, não faz sentido porque para ser contratado tenho de estar inscrito”, declara o médico, que diz estar numa ‘pescadinha de rabo na boca” porque a OMCV exige um contrato para fazer a inscrição e o MS condiciona o contrato a inscrição.
É no Estatuto da OMCV que busca argumentos para dizer que a exigência de contrato de trabalho feito pela Ordem é ilegal porque não se pode pedir o que não consta da lei. Mesmo assim, prossegue, as diligencias feitas tanto na Praia como em São Vicente, continuam sem resultado, pelo que decidiu recorrer à justiça. “Estou há três meses desempregado, com mulher e filho. Vivo das minhas poupanças. Não entendo o porque de me exigirem um contrato de trabalho, se não fazem o mesmo com os cabo-verdianos. Embora eu seja um cidadão estrangeiro, por estar legalmente autorizado a viver no país, tenho os mesmos direitos que os nacionais, à luz da Constituição da República.”
Refere, por outro lado que, logo que chegou à Cabo Verde a OMCV aceitou a sua inscrição, há mais de três anos e nada na lei obrigue à sua caducidade ou cancelamento, em caso de término da ação de cooperação. Neste caso, deixa apenas de ser obrigatória. “Na verdade, os casos de cancelamento da inscrição, vêm elencados no artigo 15º n. 1º dos Estatutos e, entre eles, não vem o fim da ação de cooperação. Pelo que a minha inscrição na OMCV, por não me ter ausentado do país e aqui pretender permanecer, nunca deveria ser cancelada”, argumenta.
Perfil de formação
Mesmo assim, prossegue, o processo da sua reinscrição encontra-se interrompido, o que obrigou este médico a recorrer a um advogado e a encaminhar toda a documentação para o bastonário da OMCV em maio deste ano, entretanto ainda sem resposta. “Devido ao meu perfil de formação, que é único nas ilhas de Barlavento, o Centro de Diálise do Mindelo tem solicitado reiteradas vezes os meus serviços para pacientes com complicações e alto risco de morte, mesmo após a minha inabilitação. A autorização da direção clinica do Hospital Baptista de Sousa tem sido sempre uma condição prévia para a conclusão desses procedimentos”, desabafa este médico, que lamenta nunca ter solicitado esta autorização por escrita, inclusive para se proteger em caso de fatalidade por estar “ilegal”.
De acordo com Yosmel, estas assistências em pacientes em risco de morte são urgentes. Por isso, e para poder continuar a atender por telemedicina ou assistir outros colegas nas ilhas sem serviço de cirurgia; poder deslocar onde a sua intervenção demostra valia e salvaguarde a cidade de pessoas que por diferentes causas não podem viajar; poder dar respostas às emergências no decorrer das situações de contingencias e de contar com o respaldo legal caso venha acontecer uma fatalidade como resultado dos riscos inerentes aos procedimentos próprios da profissão, apela à que medidas sejam tomadas. “Estou totalmente empenhado em colaborar com o Gabinete do PGR e fornecer qualquer documentação ou informação adicional par apoiar a minha solicitação”, lê-se na queixa, que deve ser formalmente apresentado por este médico ainda esta quinta-feira na Procuradoria-Geral da República.
O Mindelinsite tentou por diversas vezes ouvir a posição do Bastonário da Ordem dos Médicos, Danielson da Veiga, via telemóvel, mas este nunca atendeu e nem retornou as nossas ligações, pelo que prometemos retomar o assunto caso isso viver a acontecer, para o cabal esclarecimento do público.