Mau cheiro na Avenida Marginal: CMSV ameaça desligar Atunlo da rede de esgoto

O mau cheiro continua a invadir a Avenida Marginal da cidade do Mindelo e muitas vezes nos piores momentos. Há três semanas, para não variar, o fedor voltou a apoderar-se de toda a baia exactamente durante a permanência de dois navios turistas no Porto Grande, em dois dias diferentes. Várias pessoas ficaram incomodadas, e até envergonhadas, ao ver os visitantes apressando os passos e com a mão no nariz, uma cena que vai frontalmente contra a imagem de destino turístico que se quer passar de S. Vicente. A CMSV ameaça por isso desligar o complexo Atunlo da rede de esgotos da cidade. Por sua vez, a Delegacia de Saúde defende a retirada do complexo do Porto Grande.

Os mindelenses já estão saturados com essa situação, mas também a própria Câmara Municipal, que ameaça tomar medidas “severas” contra o Complexo Atunlo, caso essa empresa instalada dentro do porto internacional não resolva o problema de uma vez por todas. Uma delas, segundo a vereadora Carla Monteiro, é desligar essa unidade de conserva de pescado da rede municipal de esgotos. É que, assegura essa vereadora do pelouro do Ambiente, essa infraestrutura industrial foi anexada aos esgotos públicos sem a devida autorização da Câmara Municipal.

Para Carla Monteiro, não restam dúvidas de que o problema reside nesse complexo construído no piso do Porto Grande na gestão do governo anterior. Como explica, a Atunlo vem depositando os seus resíduos industriais no esgoto da Câmara Municipal, sem nunca ter pedido autorização para isso. O mais grave, diz, é que a fábrica está localizada numa zona não industrial, logo ligada a um sistema de esgoto domiciliar, que foi pensado para fluidos domésticos. Por esta razão, a bomba instalada na Avenida Marginal, dimensionada para esgoto domiciliar, fica sem capacidade para receber e encaminhar os resíduos da fábrica. E, prossegue, quando estes são descarregados, aumentam consideravelmente o fluxo no sistema. “A Câmara Municipal não tem responsabilidades nesse episódio de poluição do ar que se tem sentido na Avenida Marginal e arredores. A Câmara é responsável pela gestão da rede pública de esgoto e nunca autorizou a Atunlo a fazer a ligação a esta rede, tendo em conta que a mesma foi concebida para fluentes de origem doméstica, e não industrial”, esclarece Carla Monteiro.

Esta vereadora explica que a situação tem estado a suscitar uma grande preocupação à autarquia. Tanto assim que técnicos da CMSV já se deslocaram várias vezes à referida fábrica, acompanhados de funcionários de instituições como a Delegacia de Saúde e a Direção Nacional do Ambiente, com o objectivo de levar a empresa a melhorar o seu desempenho ambiental, tanto no acondicionamento dos resíduos sólidos orgânicos bem como no funcionamento da estação privada de tratamento de resíduos da empresa. É que esta Etar, segundo essa fonte, funciona de forma deficitária. “Dentro das instalações da Atunlo há uma pequena Etar que deveria fazer um pré-tratamento do esgoto, mas é muito deficitário, pois não realiza a separação e o tratamento da biomassa”, acrescenta.

Não vamos permitir que uma zona nobre como a Avenida Marginal esteja nessa situação, pondo em causa a saúde das pessoas e a própria imagem da cidade”, garante Carla Monteiro. Esta vereadora assegura que a própria Câmara já enviou várias notas à empresa advertindo que, caso o cheiro continue, a autarquia será obrigada a interromper de imediato a recepção do seu esgoto na rede. “Na sua resposta, a fábrica garantiu, entretanto, que está a trabalhar, junto com a Atunlo de Espanha, no sentido de melhorar o seu desempenho”, adianta Monteiro.

Retirada da Atunlo do Porto Grande

Há pouco mais de um ano foi criado uma equipa técnica para estudar e apontar uma solução para este caso, que tem posto em causa a saúde das pessoas. Desta equipa faz parte o delegado de saúde de São Vicente, Ilídio Silva, para quem o mau cheiro vem realmente da fábrica Atunlo. Silva vai mais longe e culpa as autoridades e a própria Enapor dessa situação por terem permitido que uma indústria com essas características fosse implementada em pleno centro da cidade, numa zona não industrial.

Sempre que há uma vaga do cheiro, diz Ilídio Silva, a Delegacia de Saúde pede a fábrica para proceder ao tratamento dos resíduos e o odor é eliminado. Por várias vezes, conta, a Delegacia de Saúde já mandou inclusivamente fechar a fábrica para fazer o tratamento. “Assim que o tratamento é feito o cheiro é eliminado, mas volta a surgir porque o procedimento não é aplicado todas as vezes por ser caro.”

Uma vez que o problema persiste, explica Ilídio Silva, será enviada uma nota a todos os intervenientes – ministério do Ambiente, Câmara Municipal e Enapor – para tomarem medidas no sentido da deslocalização da fábrica para uma outra zona. “Vamos aproveitar ainda a vinda do director nacional da saúde a São Vicente, no próximo dia 23, para expor-lhe esse problema, que afecta a saúde pública. Tudo o que é mau cheiro traz problemas para a saúde, nomeadamente respiratórios, doenças de pele, gastrointestinais e até mesmo psicológicos para as pessoas que residem na área”, alerta esse médico.

Mindelenses indignados

A Marginal é uma das avenidas mais frequentadas da Cidade do Mindelo para passeios e prática de exercícios físicos, por banhistas da praia da Laginha e também por trabalhadores de várias empresas. Estes são muitas vezes obrigados a conviver com o cheiro, embora alguns tenham a sorte de trabalhar em salas fechadas e com ar condicionado.

Um dos espaços comerciais mais afectados é o restaurante Dokas, que se vê obrigado a procurar soluções para “camuflar” o cheiro e diminuir o incómodo dos clientes. Romilda Tavares, gerente do espaço, diz estar numa situação por demais delicada. “Dependendo da direcção do vento, há dias em que o cheiro é realmente insuportável. Por se tratar de um restaurante, a situação acaba por ser mais crítica, pois ninguém gosta de estar a fazer uma refeição com um cheiro podre daquele a importuna-lo”, diz a gestora. Romilda explica que os clientes sempre fazem reclamações e, para amenizar a situação, tenta explicar-lhes que se trata de um problema externo, cuja solução não está nas suas mãos. “O que nos tem ajudado é o facto de termos uma parte externa, que é a explanada, e outra interna, onde fica o restaurante. Sendo assim, pedimos aos clientes que fiquem dentro do restaurante, onde tentamos encontrar uma forma de camuflar o cheiro”, explica.

José Carlos, que também trabalha nessa zona, conta que muitas vezes os trabalhadores precisam recorrer a máscaras para suportar o cheiro, correndo o risco de enfrentar problemas de saúde. Do mesmo modo, o condutor Mateus Ramos, que tenta a sua sorte à porta dos serviços da Alfândega, nessa Marginal, queixa-se do mau cheiro que, segundo ele, chega a deixar as pessoas constipadas. “Chega a ser insuportável trabalhar nestas condições”, comenta. Para ele, a situação acaba também por passar uma má imagem da cidade do Mindelo e de São Vicente, com turistas de cruzeiros frequentemente a desembarcar numa das baias mais belas do mundo, mas a serem recebidos por um odor que os obriga a circular pela avenida com as mãos a cobrir o nariz e a boca. Leroy Medina, que já é um utente assíduo dos serviços aduaneiros, considera esse episódio “inconcebível” e espera uma medida efectiva de quem de direito para resolver o problema.

Versão contraditória

A ideia defendida pela Câmara de S. Vicente e a Delegacia de Saúde segundo a qual a origem do cheiro está no complexo Atunlo foi, entretanto, contrariada por um engenheiro, que se diz conhecedor da situação. Como explica, o problema está relacionado com o aumento do caudal de esgoto canalizado para a bomba municipal na Avenida Marginal das localidades de Chã d’Alecrim e Madeiralzim. “Estamos a falar de uma rede construída na década de oitenta para uma determinada população dessas zonas e que, entretanto, cresceu. Além disso, essa estação está numa cota mais baixa que a bomba da Ribeirinha e nem sempre consegue bombear os resíduos”, explica essa fonte, para quem cabe à Câmara de S. Vicente resolver o problema. Aliás, desafia as pessoas a tentarem descortinar a proveniência do cheiro numa próxima ocasião. Para ele, a autarquia anda a tomar medidas paliativas, quando a situação exige uma intervenção de fundo na rede de esgotos.

Coincidência ou não, o problema começou a ser detectado desde a instalação do complexo de pesca da Atunlo dentro do Porto Grande. O cheiro a peixe podre – o mesmo que antes era sentido no Lazareto, logo à entrada da cidade do Mindelo para quem vem do aeroporto -, passou a invadir a Marginal com frequência. Nos últimos tempos tornou-se mais esporádico, mas não deixa de indignar os mindelenses e visitantes sempre que volta à carga.

Isto significa que o problema persiste, quando está na agenda a construção do terminal de cruzeiros do Porto Grande, investimento de “alta prioridade” para Cabo Verde, segundo o ministro da Economia Marítima. É que, para José Gonçalves, esse cais especializado vai alavancar a economia da ilha de S. Vicente e fazer disparar o número de turistas. Tudo indica que o terminal começará a ser construído este ano, pelo que a grande dúvida é saber se essa poluição ambiental será ou não resolvida, sob pena de afectar esse avultado investimento no sector do turismo.

Mindelinsite tentou por duas vezes falar com a direcção do Complexo Atunlo, mas o jornal foi informado que a pessoa com competência para abordar esse assunto com a imprensa está fora de Cabo Verde.

Natalina Andrade (Estagiária)

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