O Mindelinsite publica hoje a segunda parte da entrevista com a cabo-mediana Maria Francisca, mais conhecida por Marichica, uma homenagem à imigração de Cabo Verde para Itália, que assinala este ano 60 anos. Marichica foi quem abriu caminho para esta aventura das mulheres cabo-verdianas em terras europeias, em busca de uma vida melhor.
– Por Maria de Lourdes de Jesus –
– Como foi estar sozinha fora da sua ilha e do seu país?
Era eu a única cabo-verdiana a trabalhar em Roma em 1960. Tive que esperar algum tempo para que chegassem as amigas Dulce, Georgina da ilha do Sal e mais outras, que vieram também através dos comandantes da Alitalia. Depois começaram a chegar meninas de São, Nicolau e mais tarde, de outras ilhas e chegaram também outras três amigas que eu tinha encontrado trabalho. Para mim foi uma grande alegria. É graças à presença das minhas patrícias que a minha vida começou a melhorar.”
Onde é que se encontravam nos dias livres?
Na quinta-feira e no domingo reuníamos na casa onde a Dulce trabalhava. A família era muito gentil e aceitou o pedido dela de se encontrar com as suas amigas no seu quarto. Eu levava sempre produtos de Terra que o comandante trazia de Cabo Verde. Muitas vezes levava a cachupa já pronta. No quarto da Dulce a gente lia e escrevia cartas para as que não sabiam ler, contava partidas e anedotas da nossa vida em Cabo Verde, falávamos da nossa relação com as famílias onde trabalhávamos, e riamos muito até a cachupa ficar pronta. Era uma alegria. Assim a minha vida na Itália “voltou a ficar sabe”. Até aprender o caminho e o autocarro para ir à casa da Dulce, a minha senhora me acompanhava na ida e da volta. No fim dos anos ’60 a situação começou a mudar. Todas as semanas chegavam meninas de Cabo Verde, sobretudo de S.Nicolau, para quebrar o isolamento em que vivíamos na cidade de Roma.
Além de ir para a casa da Dulce em que outro lugar se encontravam?
Marcávamos encontro na Stazione Termini, um lugar onde ninguém podia perder porque quase todos os autocarros faziam a última paragem nesta estação. Assim quinta-feira era o dia para ir encontrar com as amigas, ter novas das que chegavam, receber encomendas e cartas da família. Antes de voltar para casa íamos passear e fazer compras na Standa, para nós e para os nossos familiares em Cabo Verde. Como não tínhamos as chaves das casas onde trabalhávamos, tínhamos que voltar entre às 20.00.
Eu também tinha licença de minha senhora para convidar as minhas amigas. Ela e o marido tinham uma grande confiança em mim, sobretudo quando viajavam e ficava sozinha em casa. Recebia sempre postais com o nome de Maria e apelido Bonsignore, que era o apelido deles. Sempre me trataram como se fosse da família. Quando eu ia de férias para Cabo Verde eram eles a pagar a viagem e o hotel em Lisboa. Poupava muito. Ganhava 11 mil libras quando cheguei em Roma mas, quando retornei, passou para 100 mil libras quase tudo no meu livreto do banco que a senhora abriu para mim.
Qual foi a razão do seu retorno definitivo para Cabo Verde?
De facto não fiquei muito tempo em Roma. Cheguei em Novembro de 1960 e voltei em 1973. Acontece que na última vez que vim de férias para S. Antão, tive que ficar com a minha mãe que estava muito doente. Vim também o meu irmão e decidimos que eu, sendo a única filha, teria de ficar para cuidar da nossa mãe. O meu irmão continuava a trabalhar em Lisboa, com o compromisso de enviar o dinheiro suficiente para que não nos faltasse nada. E assim foi. Ele mandava tudo o que precisávamos, sem manha. Estou satisfeita de ter ficado com a minha mãe porque pude gozar da sua presença até à última hora. Ela deixou-me com a sua bênção.
Que dificuldades teve em adaptar na sua ilha?
Nunca tive problemas de adaptação. Depois que a minha mãe morreu, fiquei a viver sozinha na nossa casa, com a ajuda económica do meu irmão. Nunca me casei e não tive filhos. Meu irmão sugeriu-me ir viver com ele em Portugal mas não quis. A minha vida é aqui em Cabo Verde.
Tem saudades da Itália?
Já passaram muitos anos. Perdi todos os contactos da família onde trabalhava. Minhas amigas voltaram para Cabo Verde ou faleceram. Não tenho saudades da Itália. A minha emigração para Itália foi positiva porque soube aproveitar o meu trabalho. Durante os 13 anos que vivi naquele país, trabalhei com juízo, sempre na mesma família e não gastava o meu salário. Graças a Deus trouxe da Itália o meu enxoval abundante e completo. Nunca tive necessidade de ir comprar nem sequer uma toalha ou um lençol.
Obs: Com este artigo concluímos a homenagem, no Mindelinsite, à Nha Marichica, que já tinha sido distinguida no documentário “Marichica foi a primeira”, que juntamente com Annamaria Gallone da Kenzi production, realizamos em Cabo Verde em 2008. O documentário conta histórias das cabo-verdianas que voltaram definitivamente para Cabo Verde. Esse documentário. Foi apresentado mais vezes na RAI (televisão italiana) na nossa comunidade em Itália, em S. Nicolau, Lisboa e Holanda. Infelizmente não passou pela televisão de Cabo Verde.
A segunda homenagem é representada pelo retrato do artista Delio Leite que desenhou Marichica no Mural, lá na Ladeira, juntamente com outras importantes personalidades dessa localidade. Os meus parabéns ao presidente da Câmara Municipal, Orlando Delgado pela forma que escolheu para homenagear essa nossa saudosa heroína da emigração para Itália: Maria Francisca Delgado.
Um grande reconhecimento da minha parte à Nhe Maré Chica, também pelo grande amor, e da entrega total à sua mãe até à última da hora. RIP