Seis testemunhas residentes na cidade da Praia foram interrogadas hoje por video-conferência sobre o incidente que está na base da acusação que pende sobre Amadeu Oliveira de perturbação do funcionamento do Supremo Tribunal de Justiça e ainda de ofensa a dois juízes do STJ. Na sua maioria, foram arroladas pelo Ministério Público, que tentou provar que o arguido perturbou a ordem nesse tribunal quando foi buscar o passaporte do constituinte Arlindo Teixeira no dia 25 de junho de 2021 e ainda atacou a honra e o profissionalismo de magistrados dessa instância superior.
Para sustentar a acusação, o Ministério Público arrolou pessoal na sua maioria adstrito ao STJ e à PN, como o Secretário Judicial, a Secretária do juiz-Presidente, a Assessora Jurídica, um agente da PN que presta serviço de segurança no edifício e ainda dois oficiais da Polícia Nacional. Porém, foi impossível notificar duas testemunhas, uma delas por estar de luto e outra por estar em tratamento nos Estados Unidos.
A primeira a depor foi Dinora Martins, secretária do STJ, que se lembra de ter ouvido o arguido Amadeu Oliveira a falar em voz alta no edifício nesse dia quando foi buscar o passaporte de Arlindo Teixeira. Esta testemunha afirma que, quando escutou o barulho, foi chamar outro colega e avisou o juiz-presidente da ocorrência. É que, como explica, além de estar a vociferar e a perturbar o serviço, Oliveira insultou os magistrados do STJ, chamando-lhes de corruptos e de terem tomado o tribunal de assalto.
Segundo esta depoente, o arguido perturbou o ambiente laboral ao falar alto num edifício em que o som se propaga facilmente do piso térreo para o primeiro andar. Assegurou que essa não foi a primeira vez que Oliveira afectou o funcionamento do Supremo. Questionada pela Defesa, afirmou, no entanto, que não teve conhecimento se o jurista ameaçou e feriu alguém ou se quebrou alguma coisa no edifício.
A assessora jurídica, por seu lado, confirmou ter visto Amadeu Oliveira e Carla Rosa, secretária do STJ, a conversar no primeiro dia em que o jurista foi buscar o passaporte e que o som era alto a ponto de poder incomodar quem estava a trabalhar. Adiantou que normalmente a colega Carla Rosa não costumava falar alto, mas que nesse instante estava a conversar com algum tom de voz com Oliveira. A assessora disse que não prestou, no entanto, muita atenção à conversa entre os dois e que não ficou a saber se Oliveira foi violento fisicamente com alguma pessoa.
A terceira testemunha foi Roberto Carlos Centeio, oficial da PN que acudiu a um chamado de apoio sobre um incidente em curso no Supremo Tribunal de Justiça no dia 25 de junho, data em que Amadeu Oliveira regressou ao STJ e recebeu o passaporte de Arlindo Teixeira. Porém, nesse dia ocorreram os incidentes que acabaram por consubstanciar a base da acusação do MP.
Segundo esse Comandante da PN, ao chegar ao STJ, diz, viu Amadeu Oliveira, que se aproximou dele com um passaporte castanho na mão. O jurista, acrescenta, exclamou que finalmente tinha conseguido o documento e que iria agora tirar Arlindo Teixeira de Cabo Verde. Ao ouvir isso, salientou Roberto Carlos, aconselhou Oliveira a agir dentro da legalidade e que deveria inclusivamente contactar o departamento de emigração e fronteira. Segundo o oficial da PN, a conversa entre os dois foi curta, pois sequer desceu da viatura.
O Cte Roberto Carlos deslocou-se ao STJ acompanhado do oficial Manuel Lopes, que também escutou o apelo na rádio a solicitar a presença imediata da força policial no Supremo, por se tratar de uma instituição pública. Segundo esta testemunha, pararam o carro nas proximidades, quando viram Amadeu Oliveira com o passaporte na mão. Manuel Lopes, mais conhecido por Germanim, confirma que Oliveira se acercou de Roberto Carlos e disse que agora iria fugir com Arlindo Teixeira num iate. Ao ouvir isso, diz, o Comandante aconselhou o arguido a respeitar a legalidade e a contactar o DEF.
Contradições e discrepâncias
O apelo partiu do agente Abel Djassi, que estava de serviço de segurança no STJ nos dias 24 e 25 de junho, datas em que Amadeu Oliveira foi buscar o passaporte de Arlindo Teixeira. Como explicou ao Tribunal de julgamento, fez isso porque Oliveira disse-lhe no dia 25 de junho de manhã que voltou para ir buscar o passaporte e que iria fazer “guerra” se negassem entregar-lhe o documento. Logo, o arguido aconselhou o policial a informar os seus superiores da sua intenção.
Sem delonga, Abel Djassi telefonou para o 132 a relatar o sucedido e a solicitar reforço, por se tratar de um órgão de soberania e a situação envolver um deputado da nação. Nas suas primeiras declarações, o policial afirmou que Oliveira chegou a mandar bocas aos juízes do STJ, que apelidou de corruptos e de quererem assaltar o poder no Supremo. Questionado porque não deteve Oliveira, lembrou que se tratava na altura de um deputado. Acrescentou, no entanto, que fez uma comunicação sobre o sucedido dois dias depois por iniciativa própria.
A forma como o agente depôs desagradou o Ministério Público, que fez um requerimento e pediu a leitura das suas declarações perante a Procuradoria da Praia a quando da sua audição na fase investigativa/instrução do caso. A defesa protestou, mas a juiz-presidente do TRB deferiu o pedido por considerar que cumpria o estipulado no Código de Processo Penal. Após a magistrada Circe Neves ter lido o depoimento assinado por Abel Djassi, este foi confrontado pela defesa do motivo de mudar a sua versão dos acontecimentos. O agente respondeu que as coisas aconteceram faz algum tempo e que é natural esquecer algumas coisas. No seu depoimento, negou também ter tido conhecimento de algum acto violento por parte de Amadeu Oliveira contra pessoas e o edifício do STJ.
Dada a ausência de duas das oito testemunhas arroladas, o Tribunal decidiu ler as declarações do secretário judicial José Vaz, que se encontra em tratamento nos Estados Unidos, e determinou que Carla Rosa, Secretária do presidente do STJ, seja ouvida mais tarde, assim que for notificada.
A audição deste primeiro grupo de testemunhas durou cinco horas. Além das pessoas arroladas pelo Ministério Público, o tribunal ouviu o depoimento de Samú Brito, sobrinho do arguido, indicado pela defesa. Para ele, Amadeu Oliveira fez um acto humanitário ao levar Arlindo Teixeira para França. Adianta que Teixeira estava a se deteriorar fisica e mentalmente e estava a pensar cometer suicídio. Adianta que Teixeira chegou mesmo a sair um dia com essa suposta intenção, mas foi encontrado.
Devido a situação em que estava, Teixeira, segundo Samú, envelheceu demasiadamente em pouco tempo. Adianta que o emigrante começou a ficar debilitado ainda na cadeia de Ponta do Sol, em Santo Antão, e piorou na prisão de Ribeirinha. Por isso, para ele, Oliveira agiu para tentar ajudar Teixeira.
O julgamento prossegue amanhã com a audição das testemunhas residentes na ilha de S. Vicente. Depois será a produção de provas documentais.