O brasileiro Evaldino Silvério negou esta manhã as acusações de tráfico internacional de droga de alto risco e alegou ter transportado uma mala contendo cocaína líquida para proteger o seu filho de um ano. A sentença será proferida no dia 22 de Outubro. O MP pede a sua condenação.
O Ministério Público pediu esta manhã a condenação do brasileiro Evaldino Silvério pela prática de um crime de tráfico internacional de droga de alto risco, mas deixou ao critério do juiz a escolha da medida da pena, que deve oscilar entre os 4 e 12 anos de cadeia. Para a acusação, os factos constantes do processo foram provados no julgamento realizado esta manhã. Quadro que ficou claro, conforme o MP, não só pelos depoimentos de três dos inspectores da Judiciária que efectuaram a detenção e instrução do processo, mas também pelos elementos presentes nos autos – como as conversas no telemóvel que manteve com uma mulher, conhecida por Carol, que o terá obrigado a fazer a viagem à cidade do Mindelo, no passado mês de Abril.
Na perspectiva do Procurador da República, a versão apresentada pelo suspeito, que alega ter aceitado transportar a mala porque o seu filho foi ameaçado, outra coisa não é do que uma estratégia para tentar afastar a sua responsabilidade. “No nosso entendimento, as justificações não fazem sentido. Podemos averiguar que ele estava a passar por dificuldades financeiras no Brasil, tinha dívidas, e parece lógico que aceitou a proposta para trazer a mala com droga a Cabo Verde”, realça o representante do MP, para quem esse “correio” conhecia o conteúdo da mala, apesar de negar. Tanto assim, prossegue, que teve um comportamento estranho que chamou a atenção da PJ no aeroporto internacional Cesária Évora: acabou por ser o último a abandonar a sala de desembarque e deixou a mala abandonada no tapete. E, ao ser abordado pelos inspectores, disse à primeira que tinha apenas uma maleta, quando na verdade era responsável pela mala que continha a cocaína.
Conforme o acusador, o arguido alega que aceitou a missão para proteger o filho de um ano, mas realçou que sequer foi provada a existência dessa criança. Além disso, prossegue, é estranho como sentiu receio de denunciar a mulher à polícia brasileira, quando esta o obrigou a transportar o produto ilícito para um país estranho. Por tudo isso, o Ministério Público considera o brasileiro culpado do crime de tráfico de droga agravado e pede a sua condenação.
Droga mal pesada
A defesa tem, no entanto, uma percepção diferente do ocorrido. Para o advogado, está-se perante a figura de um “correio da droga”, mas que não é levada em conta pela acusação, quando em muitos casos quem transporta os produtos ilícitos são também vítimas dos traficantes. No entendimento do jurista, ao contrário daquilo que diz o MP, a versão dos factos apresentada pelo arguido é coerente, salvo algumas nuances.
Este lembra que as imagens recolhidas no telemóvel do suspeito foram feitas por imposição da tal mulher, conhecida por Carol, para poder controlar o “correio” durante a viagem. “Até uma suposta informação do recebedor da droga em S. Vicente corresponde. A pessoa esteve prestes a ser detida. Se ele quisesse não teria sequer mencionado o nome da mulher e de um nigeriano, mas que existem”, elucida o advogado, lembrando que competia ao MP e à PJ averiguar se o arguido tem ou não um filho. “Agora, é mais incomodo desconfiar.”
Em suma, a defesa entende que o arguido pode ser responsabilizado, até porque a mala que continha a droga estava em seu nome e tinha consigo as chaves. A ser punido, diz, que seja na devida medida. É que, para a defesa, o crime deve ser tipificado como simples, e não agravado. Além disso, a droga deve ser devidamente pesada e a informação constante dos autos.
Cocaína líquida
Isto porque, como ficou evidente no julgamento, a PJ apresentou nos autos uma pesagem bruta e não líquida da cocaína apreendida. Esta dificuldade prende-se com o facto de a droga se encontrar no estado líquido, impregnada num conjunto de roupas de algodão. Em S. Vicente, dada a impossibilidade da PJ de extrair o produto e transforma-lo em pó, acabaram por pesar todas as roupas onde foi detectada a sua presença. Deste modo, o peso total foi de 9.43 quilogramas. Resta agora saber qual o peso só da cocaína.
Só que, para a defesa essa informação terá de ser devidamente apurada, pelo que a PJ deve remete-la ao Tribunal em tempo útil, isto é, antes de 22 deste mês, dia da leitura da sentença.
“Correio” coagido por “amiga”
A acreditar na versão de Evaldino Silvério, aceitou transportar a mala para salvar a vida do filho de um ano de idade. Como explica, estava a enfrentar dificuldades financeiras e foi ajudado por uma amiga, conhecida por Carol, que lhe pagou a renda, o condomínio, gás, água e pensão do filho e ainda lhe ofereceu trabalho num país africano – Cabo Verde. Para o efeito, a amiga comprou-lhe a passagem, mas, no dia da viagem, disse-lhe que teria de transportar uma mala. “Mas, ela não me disse o que teria dentro”, assegura o arguido.
Este adianta que confrontou a mulher sobre essa imposição, tendo inclusive dito que estava a ser obrigado a assumir a responsabilidade por uma mala que poderia até conter uma bomba. “Ela insistiu e disse que, se não pagasse a dívida que tinha com ela ,o meu filho é que pagaria”, revelou o acusado.
Este, diz, acabou por aceitar a missão para proteger a criança. Assim, recebeu a mala em frente a um hotel em S. Paulo das mãos de um taxista e fez o chek-in. Entretanto, adianta, era obrigado a informar a tal Carol de todos os seus movimentos, enviando-lhe mensagens escritas, fotos e vídeos da sua viagem.
No dia 28 de Abril chegou finalmente a S. Vicente, onde alguém deveria receber a mala, mas foi abordado por inspectores da PJ no aeroporto numa operação de rotina. Estes desconfiaram do seu comportamento e acabaram por descobrir que uma mala abandonada no tapete rolante lhe pertencia.
Após abrirem a mala, com as chaves que estavam na posse do passageiro vindo num voo da TAP, encontraram várias roupas brancas de algodão ensopadas. Feito o teste rápido confirmaram a presença de cocaína em estado líquido. Sem condições técnicas para extrair o produto, a PJ acabou por fazer uma pesagem bruta das roupas que continham o líquido. Depois, a inspecção do Mindelo enviou amostras dos tecidos para o laboratório da PJ na cidade da Praia, com o fito de retirar a cocaína e fazer uma nova pesagem. Só que essa informação ainda não foi remetida ao tribunal.
O brasileiro está detido desde 28 de Abril e aguarda agora a leitura da sentença, que será proferida no dia 22 de Outubro.
Kim-Zé Brito