O investidor alemão Kay Brosman, um dos sócios da Marina do Mindelo com 50 por cento das acções, diz-se de mãos atada e frustrado com a demora da justiça em decidir pelo menos duas providencias cautelar pendentes há mais de quatro anos no Tribunal da Comarca de São Vicente. Em causa uma briga entre este investidor e o seu sócio, também alemão, Lutz Meyer. Os dois não se entendem em relação a gestão do empreendimento e se acusam mutuamente de irregularidades.
“Há cinco anos que estou à espera de uma decisão. Estou a falar de uma providência cautelar, que é provisório e tem prazo de validade. Está-se a ignorar a lei porque a decisão parece definitiva. Enquanto isso, não sei o que se passa na minha empresa. Não se faz reuniões de assembleia-geral, não tenho acesso a nenhum dado sobre a Marina”, desabafa este investidor, que cita o caso da Alemanha onde, diz, se uma providencia cautelar não for julgada no prazo estipulado, perde validade. “Aqui parece que é ad eternum.”
Kay conta que, em 2014, na sequencia de desentendimentos com o seu sócio, este registou uma providência cautelar contra a sua pessoa. Sem nunca ter sido chamado ou ouvido no Tribunal, foi suspenso. Na posse de provas documentais que aponta para irregularidades na Marina, intentou uma contra-providencia cautelar. “Pelo que me foi dito pelo meu advogado, a lei é claro nestes casos e dita que a PC teria de ser decidida em três semanas, mas até agora nada”, revela Kay, que tem pendente no tribunal outras duas queixas-crimes contra o seu sócio, que se juntam à outros tantos.
“Estamos a entupir o Tribunal de queixas, que não têm respostas. O meu sentimento é que não há justiça em Cabo Verde. Do jeito que as coisas estão, não vamos chegar a lugar nenhum. Enquanto isso, segundo informações que foram passadas, a Marina está em situação de quase falência e já nem sequer consegue liquidar as suas dividas. É complicado porque nada posso fazer.”
Sem alternativa, já que as portas do tribunal estão lacradas, foi aconselhado pelo seu advogado a denunciar o seu caso na comunicação social para ver se as autoridades – Conselho Superior da Magistratura Judicial, Governo ou Presidência da República – acordam para esta realidade.
“É inadmissível esta situação. Eu e tantos outros cidadãos cabo-verdianos e não só estamos presos ao Tribunal de São Vicente. Queremos respostas da justiça. Mesmo que eu não tenha razão, quero um veredito para seguir com a minha vida. Do jeito que as coisas estão não podem continuar. Sinto-me de mãos atadas enquanto o meu investimento está a descarrilar. A minha empresa está a ser prejudica e os postos de trabalho estão em risco”, pontua este cidadão, que justifica esta sua posição com a quebra de contratos e acordos com parceiros sem o seu conhecimento e consentimento.
Para Kay Brosman, esta situação contrasta com a ideia que o Governo está a tentar passar de que Cabo Verde é amigo dos investidores. “Há dias ouvi o discurso de um governante, que garantia que Cabo Verde está em condições de atrair investidores. Pergunto, se não há justiça, que condições são essas? É que, pela minha experiência, aqui não se cumpre as leis e, quando um investidor precisar dos tribunais, pode esquecer porque não terá respostas.”
Cerca de 70 mil pendentes
Esta denúncia feita por este investidor alemão em São Vicente encontra respaldo no Relatório Anual sobre a Situação da Justiça, referente ao ano judicial 2018/2019. O documento, elaborado pelo Conselho Superior do Ministério Público, revela que transitam do ano judicial anterior 82.145 processos-crimes. A estes, juntam ainda mais 22.468 processos instruídos pelos serviços do MP em todo o país, revela a Lusa, citando o documento.
Foram resolvidos, prossegue, 37.260, representando uma melhoria de produtividade equivalente a 23,9%, pelo que transitaram para este ano judicial que iniciou a 01 de Agosto 67.353 processos na área penal. Esta performance permite ao CSMP apontar para uma redução de pendências de 18% face a 2018, sendo que está é também influenciada pela quebra de 26,6% na entrada de novos processos em relação ao ano judicial 2017/18.
O relatório revela ainda que, desde 2015/16 – na altura havia 102.153 processos –, o número de processos-crimes pendentes caiu 34,1%. Entre transitados e novas instruções, o MP movimentou e tramitou no último ano judicial 104.613 processos-crime, menos 26.496 face ao período anterior.
Este diz ainda que o MP contava, à entrada do ano judicial 2018/19, com 64 magistrados, sendo quatro procuradores-gerais adjuntos, três procuradores da República de circulo, seis da 1ª Classe, 17 de 2ª Classe e 35 de 3ª Classe. Este número aumenta para 69 com a posse de mais cinco procuradores da 3ª classe, que concluíram o estágio e ingressaram na carreira. Continuam, entretanto, em estágios mais dois procuradores da República assistentes.
Constânça de Pina
Foto: Turismo