A denúncia do contrato de trabalho do Imediato do navio Sotavento, André David, por parte da Cabo Verde Interilhas, por causa de uma queixa de sobrecarga horária – situação reportada em primeira-mão pelo Mindelinsite -, abriu uma crise entre os tripulantes e a direcção da empresa. Na sequência dessa medida laboral da CVI, o comandante Ildeberto Lopes pediu o seu desembarque em solidariedade ao colega, alegando não haver condições para continuar a exercer a função. Hoje, o Simetec, representante sindical da classe, considerou em conferência de imprensa que este desfecho é um sinal daquilo que está a acontecer nos transportes marítimos, sector que, diz, passa por uma completa desorganização à vista do Governo e das autoridades marítimas do país.
Segundo Tomás Aquino, é certo que os tripulantes do Sotavento – navio que faz ligações regulares entre as ilhas de Santiago, Fogo, Brava e Maio -, reclamaram das más condições de trabalho, nomeadamente da sobrecarga de horas a bordo deste navio. Este sindicalista exemplifica com relatos destes marítimos que mostram que chegam a trabalhar mais de 80 horas semanais, ultrapassando largamente o limite máximo estabelecido na lei e no contrato de trabalho, perante a passividade das autoridades. “A legislação laboral e os contratos de trabalho prevêem 44 horas semanais de trabalho, o que significa que estes marítimos estão a trabalhar quase que o dobro do tempo permitido. Esta situação, como é evidente, coloca em risco a vida dos passageiros e dos próprios tripulantes, razão pela qual reclamaram e exigiram melhorais nas suas condições de trabalho”, constata o presidente do Simetec.
Entretanto, prossegue, em respostas ás reivindicações dos marítimos, a direção da Cabo Verde Interilhas ordenou o despedimento do Imediato do Sotavento, que foi o porta-voz dos colegas deste navio junto do Comandante da embarcação. Mais, desencadeou um processo de transferência de outros tripulantes para outros navios da companhia, segundo Aquino numa clara tentativa de os intimidar e perseguir pelo facto de terem reclamado um direito que lhes assiste. “Esta transferência só não se concretizou porque um marinheiro chamou a atenção da direção da CVI para o facto de os substitutos desconhecerem o navio”.
Certo é que, na sequência do despedimento do Imediato, o Comandante pediu o seu desembarque, em solidariedade para com o colega que, de acordo com este sindicalista, foi demitido injusta e abusivamente. No contacto com a imprensa, Idelberto Lopes confirma que se sentiu desautorizado. “Entregaram a carta de demissão ao Imediato à minha frente, sem sequer me darem conhecimento. Também não fui ouvido pela direção da CVI”, diz o comandante, para quem não fazia sentido continuar como autoridade máxima de um navio porque não havia condições para tal. “Foi um desrespeito. Cabia ao Comandante do navio demitir o Imediato, no caso seu subalterno, a mando da companhia Cabo Verde Interilhas”.
Sobrecarga também no Interilhas
Segundo o presidente do Simetec, a reclamação dos tripulantes do Sotavento é idêntica a dos colegas do navio Interilhas, que faz a ligação diária entre São Vicente e Santo Antão. Também eles queixam de sobrecarga do horário de trabalho, pelo que alerta as autoridades marítimas com competência de fiscalização nesta matéria, mas sobretudo o Governo, para a violação do Direito Laboral vigente no país por parte da CVI, como também para a atitude de submeter os seus trabalhadores a uma excessiva carga laboral, colocando em risco a vida das pessoas.
“Face a atitude da CVI, que tem contado com a permissão e passividade das autoridades marítimas nacionais, a direção do Simetec denuncia, publicamente, e repudia tais práticas, por as mesmas se configurarem trabalho forcado em pleno século XXI. Para além desta denúncia, iremos tudo fazer na defesa dos direitos do Imediato despedido, bem assim dos restantes tripulantes e trabalhadores da empresa”, promete o presidente do Simetec, que aproveita para apelar todos os marítimos nacionais, principalmente os que trabalham nos restantes navios da companha, a solidarizarem com o colega despedido.
Enquanto líder sindical, Aquino promete ainda acompanhar atentamente a situação e agir em conformidade junto das autoridades competentes, no sentido de repor a normalidade e em defesa dos interesses dos trabalhadores, sendo que não descarta a possibilidade de recorrer aos tribunais, Inspeção e/ou Direção-Geral do Trabalho. “A questão do excesso de carga horária vem sendo denunciada deste o início desta concessão. É uma situação recorrente entre os marítimos. Variadíssimas vezes já chamamos a atenção do Governo. Mas este é apenas mais um problema que a classe enfrenta”, constata o presidente do Simetec, sindicato que tem neste momento um processo na Secretaria de Estado da Economia Marítima para, conjuntamente, tentarem encontrar soluções para os problemas dos marítimos.
Infelizmente, desabafa Tomás Aquino, todos os prazos fixados ja foram largamente ultrapassando, estando o Simetec a aguardar uma resposta da SE para se criar uma equipa de trabalho para aprofundar e fazer um levantamento dos problemas do sector e procurar soluções.
André David, refira-se, trabalha há 44 anos como marítimo, tendo desempenhado ao longo da sua carreira varias funções. Este garantiu a imprensa que é a primeira vez que enfrenta uma situação do género, o que o leva a temer o futuro dos marítimos em Cabo Verde.
Constança de Pina