O serviço consular cabo-verdiano em Bissau foi palco de uma manifestação de solidariedade com o guineense Jorge de Pina Fernandes, estudante detido no aeroporto internacional Nelson Mandela quando pretendia viajar para o Brasil e que acusa o serviço de Emigração e Fronteiras de rapto. Os manifestantes deslocaram-se à Secretaria das Comunidades para exigir um tratamento digno aos conterrâneos que desembarcam em Cabo Verde
“Estamos ainda nas ruas, fomos agora à Secretaria das Comunidades, onde um dos três manifestantes está a falar com o Secretário de Estado das Comunidades. Ele já saiu para nos ouvir em frente à instituição e exigimos a responsabilidade do nosso Estado”, assegurou Serpe Carpe, um dos manifestantes guineenses, num contacto via internet com o Mindelinsite.
Carpe considera a detenção do jovem Jorge Fernandes uma ilegalidade, um comportamento, diz, baseado na sua origem e movido por racismo devido a sua imagem. “Foi um acto ilegal e humilhante porque estava portando o seu passaporte guineense e sobretudo por ser ‘rasta man’. Entenderam que ele estava transportando droga,” denuncia.
Outra manifestante, Zinha Nanque, pede o fim aos maus-tratos a passageiros da Guiné-Bissau nos aeroportos do “país da morabeza” e exige respeito para com os “filhos da Guiné” em Cabo Verde e no mundo.
O caso
O tratamento que recebeu o jovem, doutorando no Brasil, foi conhecido após a publicação nas redes sociais de uma carta aberta endereçada aos ministros da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, ao Diretor da Policia Nacional, à Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos e Cidadania, ao Embaixador da República da Guiné-Bissau em Cabo Verde e ao Representante da Agência das Nações Unidas para as Migrações. No relato, o jovem conta as circunstâncias da sua detenção na cidade da Praia nos dias 1 e 2 de Outubro, um caso que para ele configura um rapto.
Como relata, após aterrar no aeroporto Nelson Mandela, vindo no voo da Transair e ter-se dirigido aos Serviços de Emigração e Fronteiras, entregou os seus documentos a um agente, informando-lhe que estava em trânsito para o Brasil, a fim de tratar do seu doutoramento.
“O referido agente, mal recebeu os meus documentos, começou a questionar várias coisas (inclusive sobre a veracidade dos meus documentos de residência no Brasil). Até aí tudo normal, tendo em conta o papel da polícia de cumprir a lei, embora senti que ele estava procurando algo em mim que não estava encontrando no meu documento porque estava tudo em conformidade com a lei.”
Entretanto, prossegue, foi colocado em causa a veracidade dos seus documentos, da sua residência permanente no Brasil, entre outras questões que, para Fernandes, provinha do facto de o agente tentar impedir a sua viagem. “Um jovem (padrão daquilo que julgam não prestar), rasta, de ténis e calça jeans slim e, para piorar, portando o passaporte da Guiné-Bissau. Disse-me que teria que voltar a Bissau para ir renovar o meu passaporte (que só vence em 29 de janeiro de 2020). Repostei que não precisava tendo em conta que estou fazendo uma viagem para o Brasil onde tenho a minha residência permanente e, mesmo que o passaporte tivesse um dia de prazo, ainda dava para entrar no Brasil e poder renovar por lá”, continua a sua explicação sobre o ocorrido, que, diz, descambou para ameaças verbais do agente, a dada altura.
Segundo o denunciante, chegou a passar por sessões de humilhação e foi submetido a um exame de raio-x que visou procurar se transportava alguma substância ilegal. Isto sem contar com aquilo que considera deboche dos agente numa das salas do aeroporto.
Depois de dois dias preso, “feito um animal” e sob ameaça de policiais, que o teriam mantido incontactável, inclusive pelos seus familiares que não sabiam do seu paradeiro, foi libertado por duas agentes que assumiram o turno e teriam percebido da ilegalidade da detenção.
Jorge Fernandes acrescenta que o seu relato é mais a pensar nos seus irmãos africanos que diariamente passam pelo mesmo tipo de tratamento e expõe algumas frases transcritas da cela onde permaneceu. “Não somos animais!” “Respeitem os Direitos Humanos!” “Sejam bons com vossos irmãos!” “Somos um povo, somos uma África!!!”
Governo vai investigar o caso
Este caso provocou a pronta condenação de Iva Cabral, historiadora cabo-verdiana e filha de Amilcar Cabral, que usou as redes sociais para se solidarizar com o jovem e escreveu: “Anós i un son, fidjus di Cabral no pega n´ghutru no mama”.
O secretário de Estado das Comunidades da Guiné-Bissau, Malam Bacai Júnior, também condenou o tratamento dado ao cidadão guineense no internacional Nelson Mandela. Bacai assegurou que está no entanto à espera de saber quais os motivos que provocaram o referido trato dado ao estudante guineense. Para ele, esse tipo de comportamento é inaceitável seja com Jorge Fernandes ou outro cidadão.
Conforme o jornal Expresso das Ilhas, o ministro da Cultura, Abraão Vicente, assegurou hoje que o Governo quer ter todos os dados para esclarecer e tomar “medidas adequadas” sobre o caso. Abraão Vicente respondia a perguntas dos jornalistas em conferência de imprensa, mas disse que até este momento não tem todos os dados para poder tecer comentários. O ministro advertiu que, havendo uma investigação aprofundada, o Governo irá tomar as medidas adequadas.
Por seu lado, prossegue esse online, a Liga Guineense dos Direitos Humanos pediu uma investigação aos acontecimentos, adiantando que “têm sido sistemáticos os relatos de comportamentos ilegais e abusivos dos agentes do serviço de migração e fronteiras de Cabo Verde contra cidadãos guineenses e de outras nacionalidades da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)”.
Neste momento Jorge de Pina Fernandes já se encontra na ilha do Sal, de onde deverá seguir viagem esta noite para o Brasil. Abordado por Mindelinsite, adianta que conseguiu resolver a sua situação, depois de ter perdido o voo, com a ajuda do colega que o aguardava na cidade da Praia e a bondade da Cabo Verde Airlines. Promete prestar esclarecimentos assim que chegar ao Brasil.
A comissão dos direitos humanos foi contactada para opinar sobre esse incidente, mas foi impossível conversar com a presidente Zaida Freitas, que estaria a cumprir compromissos agendados.
Sidneia Newton (Estagiária)