O Governo de Cabo Verde assumiu um compromisso, junto com a Câmara Municipal de São Vicente, de mandar erigir um busto em homenagem a Luís Loff Vasconcelos, político, jornalista e ensaísta, ele que foi um precursor da descentralização e da independência destas ilhas. Ulisses Correia e Silva, que presidia a cerimónia de reconhecimento a esta figura ímpar da sociedade cabo-verdiana, fez esta promessa perante uma plateia composta por familiares, autoridades políticas e religiosas, incluindo o vice-provincial da Congregação dos Salesianos em Portugal, e figuras vivas do Mindelo.
A cerimónia começou com a exibição de um vídeo sobre Luís Loff Vasconcelos, com narração de Larissa Rodrigues, directora do Artiletra, jornal que fez uma aturada investigação sobre o homenageado. Seguiu-se uma apresentação do historiador Brito-Semedo, que acabou por ser uma aula da cultura e história de Cabo Verde. Mostrou o profundo conhecimento que Luís Loff tinha das ilhas com uma riqueza impressionante de detalhes e surpreendeu com a sua postura critica para com o poder colonial na defesa da sua pátria e das suas gentes, mas também com a leitura visionária que este tinha de Cabo Verde. Tudo isto está plasmado nas suas obras, que são de leitura obrigatória: Echos da Aldeia, Revista Cabo Verde, Opinião, O Independente, de entre outros.
“Reivindica a formação dos africanos educados e não de nativos europeizados, igualdade de condições, o emprego e a partilha de bens sociais: educação, saude, habitação; melhorias económicas associadas as populações africanas e a equidade de representação em órgãos do Governo e da Administração colonial. É isso que se veio a designar Nativismo, um motivo de debate na imprensa periódica nas duas primeiras décadas do Século XX” exemplificou, sendo que, no caso de Cabo Verde, diz Brito-Semedo, a a emergência deste sentimento foi resultado de determinadas condições que foram se instalando e desenvolvimento ao longo de décadas.
“A primeira e a mais ampla foi a falta de interesse e o abandono secular de Portugal. A recusa do regime de adjacência reclamada pela elite intelectual e a ideia propalada por certos políticos da venda de algumas colónias para pagar dividas de Portugal, na sequência do ultimato da Inglaterra e da crise financeira que se seguiu foram os motivos próximos. Estes extremados pela situação das fomes que causavam sofrimento, miséria e muitas mortes e forçam e imigração para as roças de São Tomé”, elenco, citando Luís Loff.
Para o naturista, só a pobreza destas ilhas explicava o pouco interesse de Portugal, lembrando que desde muito cede as populações tinham ficado entregues a si próprias, resolvendo os problemas de vária ordem, desde o comércio, o cultivo da terra, a defesa contra a pirataria, a fixação e a criação de núcleos populacionais no interior. Esta descuidada tutela de uma administração colonial que nunca permitiu o desenvolvimento moral e material de Cabo Verde terá gerado ressentimentos e agravos contra a metrópole, refere Brito-Semedo, se apoiando em relatos de jornais da altura. Também Luís Loff, frisa o historiador, pintava um retrato negro da situação das ilhas, demonstrando um conhecimento extraordinária de cada uma, responsabilizando o Governo pela situação, que resultava do medo da emancipação. “Tem medo da emancipação africana”, dizia, lembrando ainda que Luís Loff foi o primeiro a defender a necessidade de dois governadores, uma para Sotavento e outro para Barlavento, e a independência das ilha.
Emoção de Augusto Vasconcelos
Já Augusto Vasconcelos fez uma intervenção emocionada, e muitas vezes a voz ficou travada na garganta por testemunhar esta homenagem ao avô, acompanhado da esposa, filhos, netos e de muitos amigos. Agradeceu ao Governo e ao grupo de “prestigiosos” historiadores e jornalistas que fizeram a recolha dos dados e dos pontos de vista Luís Loff, e socorreu de excertos das suas obras para lembrar a sua alma poética e o seu espirito irrequieto e inconformado com a situação reinante em Cabo Verde, a sua bravura e luta na defesa da sua pátria e, muito em particular da sua “mimosa Brava”.
Segundo Vasconcelos, na sua faceta poética o avô cantou e enalteceu a beleza da ilha Brava, tendo elaborado uma colectânea de mornas que intitulou “Serafin Jon” e que hoje, com a eleição da Morna a Património Imaterial da Humanidade, convém buscar o seu paradeiro, pois continuam um profundo sentimento da alma e do amor a Pátria que elegeu. Já na de inconformado, politico, irreverente e defensor de uma nova política para estas ilhas, foi o ideólogo da geração dos anos 90 do século passado. “O seu nome ficou indelevelmente ligado a conscientização política dos cabo-verdianos, conforme escreveu Nobre de Oliveira, no seu livro Imprensa em Cabo Verde. Era um grande defensor destas ilhas, clamando por melhoria das condições de vida das suas gentes. Denunciou a fome e o sofrimento que graçavam, exigindo do Governo da metrópole medidas urgentes que a situação requeria, de forma desabrida e sem medo”, pontuou.
Na área da Educação, prossegue, defendeu a instrução a que o povo tinha direito e clamou pela necessidade de um Liceu em Cabo Verde, no livro Echos da Aldeia (1890). Foi também nesta altura que começou a pleitear pela independência do arquipélago, sendo, na sua óptica, um dos precursores da luta que veio culminar com esta enorme conquista. “Luís Loff travou esta luta com a sua pena e a força de palavras, a arma mais eficaz naquela época”, frisou, lembrando que foi por esta luta que também mudou para a ilha de São Vicente, onde tinha mais facilidades de mandar imprimir os seus trabalhos, sem nunca esquecer Brava, terra de arrojados marinheiro.
Depois de discursos tão fortes, tanto o presidente da Câmara de S. Vicente, como o Primeiro-ministro, que presidiu esta homenagem, organizado pelos ministérios das Finanças e da Cultura, em parceria com a Impar, a Oasis Atlantico e Artiletra, abdicaram das suas intervenções escritas e falaram de improviso. Enquanto Augusto Neves destacou os conhecimentos impressionantes que este nativista tinha da realidade do país, ilha a ilha, Ulisses Correia e Silva falou da importância de dar visibilidade a história de Cabo Verde. Uma história que, afirma, precisa ser contata, ensinada e escrita. “É preciso ensinar a nossa história nas escolas porque isto é mais do que cultura para que possamos, em primeiro lugar, ficarmos em paz e termos a noção da Nação que temos.”
Constânça de Pina