O administrador único da agência de notícias Inforpress foi hoje exonerado do cargo pelo Governo. A medida surge um dia após José Vaz Furtado ter decidido colocar termo ao contrato de trabalho do jornalista Geremias Furtado, actual presidente da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde, ao que tudo indica devido a uma reportagem publicada pelo jornal Santiago Mazazine, que fez referência a um clima de tensão laboral instalado no seio dessa empresa.
“Tendo em atenção os acontecimentos recentes e a necessidade de se garantir o normal funcionamento e estabilidade institucional da agência, o Governo deu orientações ao representante do Estado, acionista único da Inforpress, para adoção de uma deliberação unânime no sentido de exonerar o actual administrador único da sociedade, José Vaz Furtado”, diz o comunicado remetido à redação do Mindelinsite.
A nota acrescenta que o Executivo defende a autonomia e independencia dos órgãos públicos de comunicação social, tendo em conta o alto nível de responsabilidade e de qualidade da democracia cabo-verdiana e da liberdade de imprensa no contexto africano e mundial. Assegura o Palácio da Várzea que continuará a implementar as melhores políticas, mobilizando os meios necessários e as reformas legais conducentes ao cumprimento da missão insubstituível da Inforpress. Entretanto, o Governo aproveita a oportunidade para prestar um “justo reconhecimento” pelo “dedicado e competente” trabalho realizado por Vaz Furtado desde o início das funções em setembro de 2021.
Esta posição do Executivo surge quase que em simultâneo com um comunicado da AJOC, que se mostra surpresa com a decisão de José Vaz de colocar termo imediato ao contrato de Geremias Furtado, presidente da associação, jornalista da Inforpress há 4 anos e 9 meses, e “sem qualquer aviso prévio”. “Despedimento este que, estamos em crer, se configura arbitrário”, entende a direção da AJOC, para a qual a medida não tem fundamento e argumento plausível.
A AJOC informa que tem estado a seguir o caso com “enorme preocupação”, tendo disponibilizado todo o apoio ao jornalista, inclusive a nível jurídico. Como reconhece a organização, tratando-se do presidente da associação dos jornalistas cabo-verdianos, o incidente ganha maior amplitude e exposição da pessoa do próprio Geremias Furtado.
Indo aos factos, a AJOC revela que, em carta enviada à sua direção, Geremias Furtado apresentou uma queixa/pedido de intervenção da associação, dando conta de várias situações de “retaliação” por parte do exonerado gestor da Inforpress, que culminaram ontem com o seu despedimento. A organização diz estranhar que essa medida unilteral tenha surgido quando ainda decorre na ARC – Autoridade Reguladora da Comunicação Social – e na IGT – Inspeção-Geral do Trabalho – dois processos metidos por Geremias Furtado contra o ex-responsável da Inforpress por assédio laboral.
A AJOC salienta que não é de agora que se vem mostrando preocupada com o facto de a agência de notícias ter um administrador único, pelas implicações que isso traz. Acrescenta que não é a primeira vez que surge um pedido de intervenção por parte dos funcionários da Inforpress junto da AJOC. Revela que a vice-presidente chegou mesmo a se encontrar com José Vaz e debateram situações que afectam trabalhadores noutras ilhas, além de Santiago, relacionadas com questões como acesso à internet, viaturas, contratos precários… Na altura, segundo a AJOC, o responsável da Inforpress prontificou-se a fazer diligências para resolver esses problemas. Outro ponto abordado foi a alegada ingerência de José Vaz Furtado nos assuntos da redação.
Sobre o caso Geremias Furtado, a AJOC diz esperar que as autoridades competentes possam agir com base na lei e enfatiza que nenhum trabalhador deve ser demitido, perseguido ou sofrer represálias por denunciar o que considera serem atropelos à liberdade de imprensa. A associação diz estar ainda perplexa com declarações públicas feitas ontem por José Vaz que acusa um “grupinho” de jornalistas da Inforpress de querer “fazer política” em vez de notícias. A AJOC decidiu, deste modo, endereçar um pedido de pronunciamento da ARC sobre o assunto.
A “bomba” explodiu na Inforpress na sequência de uma notícia do jornal Santiago Magazine dando conta de um clima de tensão na empresa entre a administração e a redação, foi agravado com a deslocação do director de informação da Inforpress a Marrocos para a suposta cobertura dos jogos do mundial de clubes. A peça relata que os jornalistas estavam indignados com a situação, porquanto o director de informação, Hélio Robalo, terá enganado a redação de que iria participar num evento a convite da Federação Atlântica das Agências de Notícias Africanas (FAAPA), quando “na verdade foi assistir aos jogos do mundial de clubes”, que decorreram naquele país magrebino de 1 a 11 deste mês, “tudo à custa da Inforpress”.
Um dia após a publicação da peça, Geremias Furtado foi demitido.