O ministério da Economia Marítima apresentou ontem à tarde uma proposta técnica de desvio das águas pluviais da zona da enseada de coral para o extremo do pontão da Lajinha, no mar largo, mas que mereceu críticas de elementos do grupo defensor da preservação da vida marinha na pequena baía dessa praia. O projecto apresentado pelo engenheiro James Ramos provocou um debate na sala e levou o Secretário de Estado Paulo Veiga a concluir que ainda há um caminho talvez sinuoso a percorrer antes que seja assumida uma solução definitiva e consensual sobre a segurança dessa enseada considerada por biólogos marinhos um laboratório vivo na cidade do Mindelo.
Ao fazer o balanço do debate após a apresentação do projecto, Veiga teve de admitir que o assunto não é pacífico, “há opiniões divergentes”. “Ficou claro, disse o governante, que são precisos mais estudos, nomeadamente de impacto ambiental. Há, no entanto, toda a abertura do Governo para continuarmos a conversar e a procurar uma solução que satisfaça a todos.” Segundo esse executivo, não há ainda um consenso à vista, mas fez questão de realçar que o impacto das enxurradas na Lajinha tem sido minimizado graças a intervenções feitas nomeadamente na zona de Chã d’Alecrim, de onde é proveniente parte considerável do lixo que desagua nessa praia. Aliás, o engenheiro Rogério Soulé fez antes um enquadramento para mostrar que o escoamento de águas pluviais na Lajinha era muito mais intenso e foi determinado pela própria natureza.
“Estamos agora a apresentar uma proposta que foi encomendada e partilhada. É preciso um estudo de impacto ambiental, mas, para haver isso, tem de haver um projecto. Temos de continuar e queremos salvaguardar tanto a baía de coral como a praia. Aqui temos de ter este consenso”, frisa o Secretário de Estado da Economia Marítima, que promete manter o debate ligado para não se cometer os erros do passado.
Aquilo que o ministério da Economia Marítima propõe é canalizar a água da chuva que neste momento cai directamente na enseada de coral, através de quatro tubos, para a ponta do esporão. Deste modo, a enxurrada irá sair um pouco mais para o mar aberto e dispersada pelo movimento da corrente prevalecente nessa praia. Pelos cálculos feitos, explica o engenheiro James Ramos, será muito difícil a água ser levada para dentro da enseada por causa da dinâmica constante da corrente marítima.
“Em termos práticos, será uma galeria de betão armado coberta que intercepta a linha de drenagem entubada e passa a ter escoamento livre. O ponto de saída dar-se-á no extremo do esporão”, reforça o apresentador do projecto, para quem essa solução é um meio-termo, que visa salvaguardar tanto a enseada como a zona balnear.
Os quatro tubos, chamados pelos ambientalistas “canhões de lama”, não serão eliminados, mas sim desviados para dentro da galeria por onde a água irá seguir até a ponta do esporão. Essa obra, assegura o referido engenheiro, vai aumentar a largura e o tamanho do pontão. Neste momento, prossegue James Ramos, o pontão vai até os limites do areal. No futuro, caso essa proposta seja aceite, será estendido em mais 45-50 metros, até a ponta do esporão. Feitas as contas, Lajinha passará a ter um pontão de 80 metros, que, segundo o engenheiro, pode ser usado para actividades lúdicas, ter um corrimão e até um trampolim na extremidade. O custo da construção dessa obra está estimado em 50 mil contos.
Ambientalistas querem alternativas e estudos
Aparentemente esta proposta poderia agradar a gregos e a troianos, até porque os próprios ambientalistas já haviam cogitado essa possibilidade, mas não foi essa a sensação que ficou na sala. Iniciado o debate, alguns intervenientes questionaram essa opção e perguntaram se não havia outras alternativas. Conforme o biólogo marinho Rui Freitas e o professor Guilherme Mascarenhas, o projecto peca por omitir estudos e não apresentar a segunda e terceira alternativa. “Fecham e decidem uma única e exclusiva proposta. Não se apresenta outras opções e nem se pergunta à sociedade civil se tem uma outra proposta. Isto é grave porque o trabalho já vem feito, partindo o todo-poderoso do princípio que a sua visão é a melhor”, criticou Rui Freitas, para quem não se pode tomar a proposta sustentada pelo ministério da Economia Marítima como dado adquirido.
Para o docente universitário Guilherme Mascarenhas, há uma proposta mais rápida e barata para o problema, embora seja provisória: fazer uma abertura junto ao canal onde a água costuma desaguar na areia e canalizar a enxurrada directamente para a zona balnear. Algo que, diz ele, pode custar uns 100 ou 200 contos e ser feito até num único dia. A seu ver, o problema existente hoje na Lajinha é fruto da imaturidade ambiental das autoridades. E essa atitude continua, até porque, prossegue, teimam em apresentar uma proposta sem estar baseada em estudos, um deles de impacto ambiental.
Questionado se o grupo que integra não havia defendido a ideia agora incorporada na proposta, Mascarenhas admite que essa opção foi aventada, pelo que não está frontalmente contra essa possibilidade. Ao mesmo tempo realça que se trata de uma solução para distrair os defensores da enseada e não se sabe quando é que será aplicada. “Se querem gastar tanto dinheiro podemos então estudar uma solução mais interessante, que é, por exemplo, deslocar o esporão. Assim devolvia-se o surf a esta praia e a zona de enseada ficava com a água menos estagnada e com uma zona de expansão.”
Para Aníbal Medina, a discussão está a ser centrada na enseada enquanto a parte balnear é colocada em segundo plano. Por isso, a seu ver, os dois lados devem estar presentes, até por causa da importância que a praia tem para os mindelenses. Este relembrou que a enseada é uma área de per si sujeita a uma enorme pressão provocada pela poluição térmica, inorgânica e orgânica provenientes da Electra e dos estaleiros da Cabnave. “Na ausência destas duas fontes de poluição podia-se desenvolver um projecto de conservação, mas na situação actual tenho as minhas dúvidas sobre o estado de saúde dos corais”, frisou Medina, para quem é preciso um estudo ecotoxicológica para se saber se os corais da enseada estão ou não saudáveis.
Desmistificar a sina da Lajinha
A praia da Lajinha foi sempre uma zona afectada pelas enxurradas no tempo da chuva, como lembrou o engenheiro Rogério Soulé antes da apresentação formal do projecto. Na sua intervenção, este quadro da Enapor fez um enquadramento sustentado em imagens que mostram os danos provocados nessa praia, inclusive na enseada de coral, pela força das águas pluviais. Isto porque, lembra, a cidade do Mindelo tem quatro pontos de escoamento pluvial definidos pela própria natureza: um que fica entre o mercado de peixe e a sede da Enacol, outro junto ao restaurante Ponte d’Agua, um terceiro na rua da Escola Técnica e um quarto nas traseiras da esplanada Caravela.
“Logo não foi nenhum projecto que desviou a água para a Lajinha; não foi nenhum projectista que definiu o ponto de escoamento, isto foi definido pela própria natureza”, realçou esse engenheiro, que teve o cuidado de lembrar que até carros já foram levados pela enxurrada para essa praia, tal é a força das águas vindas da zona Norte, isto é, de Chã de Alecrim.
Ao fazer uma comparação entre o passado e o presente, Rogério Soulé mostrou o impacto positivo que algumas obras feitas em Chã de Alecrim tiveram no caudal de lixo transportado para o mar. Hoje, diz, isso representa 20 por cento daquilo que desaguava nessa praia por causa da construção de diques, de casas, vias asfaltadas, etc.
Este técnico frisa que tem havido algum barulho nas redes sociais sobre a situação da enseada de corais, pelo que, a seu ver, é preciso desmistificar essa situação e provocar um debate conjunto a bem de S. Vicente. Como sublinha, esse era o objectivo pretendido com a apresentação dessa proposta que, frisa, era do conhecimento dos ambientalistas.
Kim-Zé Brito