O engenheiro Luís Rodrigues assegurou ao Mindelinsite que o atum-azul a ser produzido pela empresa norueguesa Nortuna vai encontrar temperaturas do mar adequadas em Cabo Verde para o crescimento e qualidade da sua carne e que haverá uma exportação diária para o mercado mundial. Se preciso for, a empresa pode até alugar aviões. Criados em jaulas flutuantes em mar-alto, o risco de exemplares fugirem existe, no entanto, este especialista cabo-verdiano adianta que nunca foi reportado um caso pela Nortuna, considerada a empresa com mais conhecimento tecnológico sobre a criação em cativeiro desse atum. Aliás, esse gerente assegura que haverá uma segurança permanente dos tanques – com uso de um barco e drone – e defende que Cabo Verde deve aproveitar a embalagem para estabelecer um centro de aquaculura referência nesta zona africana. As obras na praia do Flamengo vão a bom ritmo e a intenção da Nortuna é aproveitar a água produzida para reflorestar esse vale.
Mindel Insite – Em traços gerais em que consiste o projecto da Nortuna em S. Vicente?
Luís Rodrigues – É um projecto de produção do atum azul, uma espécie que não existe em Cabo Verde, considerado o “rei” dos atuns. Usado especialmente para o sushi, no Japão pagam um valor considerável pela sua carne. A Nortuna é a primeira empresa no mundo que conseguiu controlar a criação desse atum desde a desova até a fase adulta. Ainda não apareceram outras empresas com esta competência e a tecnologia desenvolvida na Noruega numa das suas melhores universidades de pesca, em colaboração com uma universidade espanhola. Neste projecto, temos a sorte de contar com a expertise de Yngue Attramadal, professor de aquacultura e um dos maiores especialistas do mundo nesta área, que desenvolveu peixes de várias espécies.
MI – Qual o motivo de não existir o atum azul no mar de Cabo Verde?
LR – É um atum que vive em águas um pouco mais frias. Costuma desovar no mar do Mediterrâneo, em torno de Malta, Croácia e costa da Espanha, de julho a agosto.
MI – Haverá alguma consequência no desenvolvimento dessa espécie ao ser agora produzida numa água com temperatura diferente?
LR – Não haverá nenhuma consequência negativa tanto no crescimento como na qualidade da carne desse atum por causa das condições climáticas existentes em Cabo Verde. A temperatura corporal do atum é à volta dos 24 graus e a temperatura ambiental em Cabo Verde durante o ano oscila entre os 22 e 26 graus. Isto quer dizer que este é um ambiente muito favorável para este tipo de atum. No Mediterrâneo os peixes fogem para outras zonas para a sua alimentação. Lá a temperatura no verão pode chegar a mais de 29 graus e no inverno cai para debaixo dos 18 graus. Devido a isso, o atum perde apetite. Diferente da situação em Cabo Verde, onde há uma temperatura média anual apropriada, que possibilita a saúde e vitalidade desse peixe.
MI – Há algum risco de escape de atuns dos tanques de contenção no meio do mar e passarem a reproduzir nesta zona?
LR – As jaulas têm um sistema duplo de segurança, mas há sempre a possibilidade de ocorrer um acidente. Porém teremos uma vigilância permanente para evitar contratempos. A fuga de um peixe é um risco, mas tomamos a nossa prevenção.
MI – Se esse cenário acontecer esse tipo de atum poderia ser visto como espécie invasora?
LR – Esta questão poderia ser respondida com mais propriedade por biológo marinho, mas, por aquilo que sei, esse problema não ocorreu noutras paragens, nomeadamente em Espanha. Vamos manter uma pequena quantidade nas jaulas para não se estressarem e, se estiverem bem, não saem dessa zona.
MI – Qual será o diâmetro das jaulas?
LR – Nesta fase-piloto teremos 6 jaulas com um diâmetro de 100 metros.
Vigilância com navio e drone
MI – Como será garantida a segurança da vossa produção, já que as jaulas ficarão em alto mar. Podem ser facilmente invadidas por estranhos?
LR – Dispomos de uma área de seguridade onde ninguém pode entrar. Mesmo assim trouxemos um barco de suporte da Noruega, que será usado na vigilância permanente das jaulas, 24 horas por dia. Além disso vamos usar drones para vigiar a área.
MI – A praia do Flamengo tem correntes fortes e ondas com alguma altitude. Como será feito o transporte dos atuns para terra?
LR – Vamos fazer um quebra-mar e um pequeno cais nesta praia. Contamos com a expertise de engenheiros noruegueses experientes neste tipo de trabalho. Depois levamos os juvenis da terra para o mar usando o cais. Mas, enquanto o cais não estiver construído, vamos priorizar o transporte do atum directamente para o Porto Grande.
MI – Os peixes prontos para exportação saem directamente da jaula para uma câmara frigorifica?
LR – Apanhamos o peixe, é tratado e colocado de imediato numa água com 1 a 2 graus para manter a sua qualidade. Depois será enviado para Portugal.
MI – Vão usar arcas próprias ou as de outras empresas de conservação de pescado?
LR – Esperamos entrar em acordo com uma empresa, mas pretendemos ser autônomos. O transporte para Portugal nesta fase-piloto é essencial e temos a possibilidade de fazer a documentação da qualidade do peixe da captura até a sua chegada à Europa.
MI – Isto significa que vão usar laboratório próprio?
LR – Exacto, e vamos usar um chip que nos permite acompanhar a sua temperatura. Se não variar, mantém a qualidade e pode ficar fresco por 14 dias.
Transporte em tempo de pandemia
MI – O transporte é um aspecto-chave do projecto e a Nortuna planeja fazer exportação diária. Cabo Verde e o mundo enfrentam a pandemia, com oscilação acentuada nas ligações aéreas. Se o projecto estivesse já a funcionar como iriam resolver esse problema?
LR – Se temos uma jaula cheia de peixes para exportação podemos recorrer ao aluguer de um avião. Se houver um impedimento e não pudermos levar os peixes frescos temos de as congelar rapidamente até 80 graus negativos e manter a qualidade. É uma opção para não perdermos o peixe. O nosso plano é colocar peixe fresco no mercado como a única companhia no mundo que produz atum azul durante o ano inteiro.
MI – O atum produzido em S. Vicnte é exclusivamente para exportação ou parte pode ficar em Cabo Verde?
LR – Ficaria contente se os restaurantes daqui pudessem usar os nossos produtos. Na Nosa companhia temos um chefe com 20 restaurantes na Noruega que virá a Cabo Verde para colaborar com cozinheiros daqui com o objectivo de desenvolvermos este produto e passar a ser uma marca produzida e exportada em Cabo Verde, com qualidade de ponta.
MI – A vossa meta é levar o produto até Japão, onde o atum azul tem um preço de mercado elevado. Chegando em Portugal qual será o circuito até Japão?
LR – O CEO da Nortuna tem mais de 20 anos de experiência em exportação, tendo estado em vários países. Quando ele era gestor de uma companhia no norte da Noruega foi o primeiro a afretar um avião para colocar um contentor cheio de peixes no Japão. Diria que a parte logistica está bem planeada.
MI – A capacidade de produção desta unidade pode chegar às 10 mil toneladas ano. Quais serão as etapas a serem seguidas até atingirem essa meta?
LR – Os planos são feitos de modo a serem ajustados, mas pretendemos produzir 500 toneladas na fase-piloto, que será de dois anos. Podemos, no entanto, aumentar a produção já no terceiro ano, acelerar o projecto e chegar até as 150 mil toneladas em Cabo Verde, dependendo de factores como, por exemplo, a resposta do mercado.
MI – Este projecto será replicado em Santo Antão e S. Nicolau. Com as três ilhas em funcionamento qual será a producao?
LR – Se o mercado reagir bem, em 10 anos podemos chegar as 30.000 toneladas/ano, 10 mil em cada uma das ilhas. Mas, a parte mais forte será em S. Nicolau, que tem uma baia enorme onde podemos produzir ainda mais. A meta, por enquanto, serão 30.000 tons em 10 anos e depois temos outras opções consoante a resposta do mercado. Primeiro vamos concentrar a nossa atenção em S. Vicente, testar esta fase-piloto.
Criar um centro de aquacultura em Cabo Verde
MI – Este projecto ficará limitado à produção do atum azul?
LR – Podemos trabalhar com outras espécies. Defendo que esta competência em aquacultura da Noruega deve ser disponibilizada a Cabo Verde e fazer aqui um centro de aquacultura desta zona da África. O continente precisa de muitos alimentos e Cabo Verde pode produzir esmoregal, lagosta… Podemos usar este recurso no mar como uma indústria para não ficarmos dependentes só do turismo. A nossa intenção é colaborar com as entidades cabo-verdianas e já iniciamos este processo criando a ponte entre a universidade da Noruega e a Universidade Atlântica. Temos um barco científico que esteve cá em 2011 e que regressa em outubro para trabalharmos numa inestigação que visa saber a quantidade de peixe que dispomos nesta área e fazer um plano de gestão.
MI – Uma das grandes preocupações levantadas tem a ver com o tipo de alimento que será dado aos atuns na fase adulta e a preocupação com o impacto que isso teria, se for preciso usar cavala viva nesse processo.
LR – Posso garantir que não vamos usar a cavala. O que fazemos é isto: quando os atuns chegarem aos 40-60 dias vamos usar um granulado (code pods) que trazemos da Noruega ou do Japão. Serão alimentados durante uma hora específica do dia e, volto a frisar, não vamos usar cavala ou arengue.
Depois de fazermos a pesquisa e, se encontrarmos peixes pelágicos que não usamos para consumo natural, talvez possamos produzir os alimentos aqui. O mais adequado é conseguirmos alimentos capturados a 1000/2500 metros de profundidade, em vez de trazeres alimentos da Noruega.
MI – Como, na sua opinião, está a edificação das obras do projecto. Vê-se que que já estão a construir edifícios em terra e a inserir tubagens.
LR – A obra foi afectada pela pandemia a partir de março e isso foi grande desafio. Mas a comunicação moderna permitiu-nos estabelecer contacto sem dificuldades com Ministério do Mar e a Trade Invest e com a empreiteira CFS. Estamos muito satisfeitos com o trabalho feito até o momento. A empreiteira entregar a obra daqui a 10 dias e está com os trabalhos bem adiantados. Quero frisar que ainda não tivemos nenhum acidente na obra, apesar de não ser fácil trabalhar neste vale com a ventania e usando máscaras.
MI – O que já foi feito até o momento?
LR – A primeira coisa foi levantar o terreno numa cota 5 para podermos usar as bombas e devido a maré. Depois fizemos uma casa para abrigar 2 geradores que vão produzir electricidade e uma área de tratamento de água. Temos uma máquina de osmose inversa que produz 20 toneladas/dia. Vamos dispor de armazém cozinha, casas-de-banho, etc. A obra termina a 10 de julho e depois começamos a montagem dos taques e sistema de circulação.
MI – Confirma que pretendem usar a água produzida para reflorestar este vale?
LR – Sim, vamos dar a este vale um outro colorido. Todas a acácias que retiramos foram contadas e marcadas. Vamos criar uma área verde primeiro dentro do nosso perímetro, calcetar este espaço e depois arranjar o vale, construir uma estadas de 5,7 quilómetros e instalar telecomunicações.