Editorial: Liberdade de imprensa versus “garotche” das autoridades

A subida de Cabo Verde de três posições no ranking mundial da Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteira – considerada um sinal positivo pelo MpD e desvalorizada pela oposição – não está a ser sentida no terreno, sobretudo por jornalistas que, diariamente, precisam abordar as autoridades. Muito pelo contrário: há um “garotche” que tem levado esses profissionais a pensarem duas vezes se vale a pena “perder” tempo para “ouvir” as autoridades e credibilizarem ainda mais os seus trabalhos.

A verdade é que, de um modo geral, as instituições públicas centralizaram a sua comunicação com a imprensa de tal modo que quase ninguém ousa falar com os jornalistas sem “autorização superior”. Pior é quando responsáveis de serviços descentralizados precisam da “benção” da Praia para falarem de casos ocorridos dentro da sua área de “jurisdição”.

Na prática, a comunicação funciona quando as instituições precisam repassar as informações que lhes convêm através de comunicados e notas. Quando o contacto parte do jornal, a coisa muda de figura. Na maior parte das vezes, a resposta é o silêncio. E, quando a notícia sai sem a “outra versão”…

Este controlo é particularmente perceptível nas instituições policiais. Hoje muito dificilmente um jornalista consegue investigar uma matéria sensível por sua própria iniciativa e contar com a colaboração da PN e da PJ. E ocorre que, numa altura em que continua a acontecer casos de homicídio e assaltos nalgumas ilhas, sequer há comunicados sobre essas ocorrências.

De um dia para outro, deixou de haver conferências de imprensa, comunicados e entrevistas aos órgãos de imprensa das autoridades a explicar esses eventos que, curiosamente, continuam a ocorrer um pouco por todo o país: acidentes graves com mortes e grandes perdas materiais, assassinatos com recurso a arma branca ou de fogo, roubos e furtos a pessoas e propriedades, caçubody… Resta entender se isso é propositado ou uma estratégia para mostrar que a criminalidade em Cabo Verde está sob controlo.

Na maioria das vezes, os jornalistas sabem das ocorrências por terceiros e tentam, por todos os meios, confirmar junto das autoridades as informações para dar maior credibilidade à noticia, mas sem sucesso. Para confirmar este silêncio ruidoso, basta fazer uma visita às páginas oficiais da PN e da PJ. As últimas actualizações sobre criminalidade datam dos primeiros dias de abril.

Para driblar a impossibilidade de chegar à fala com os responsáveis – os subordinados estão proibidos de prestar qualquer informação -, os jornalistas têm recorrido a testemunhas oculares, vítimas ou outras fontes para escrever as noticias. Fontes importantes e essenciais para o trabalho jornalístico, mas, nestes casos, é expectável a existência de imprecisões e exacerbações, que, muitas vezes, podem desvirtuar uma notícia. 

Outro aspecto relevante é o medo dos funcionários públicos de falarem abertamente com os jornalistas, mesmo quando os seus direitos estão em causa. Antes de abrirem a boca querem saber se vão ficar em anonimato “por receio de represálias”. E mal sabem que os jornalistas também são alvo de represálias quando abordam assuntos que incomodam gestores públicos, que muitas vezes confundem o interesse de uma empresa/instituição do Estado com o seu interesse pessoal.

Por isso, não se entende este optimismo do MpD, que considera esta subida uma evolução “positiva”, enquanto o PAICV julga decepcionante a posição de Cabo Verde neste ranking. Já a AJOC, através do seu presidente, defendeu que o maior desafio para a liberdade de imprensa no país é a precariedade laboral neste sector, mas também em tantos outros. Esta precariedade, afirma, acaba por ser um dos maiores entraves a independência e capacidade dos jornalistas realizarem o seu trabalho de forma “livre e eficaz”.

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