A imagem das principais instituições do Estado de Cabo Verde sofreu um acentuado e perigoso desgaste de credibilidade nos últimos dois anos perante a sociedade civil cabo-verdiana, facto que talvez explique o afastamento cada vez maior dos eleitores das urnas. Um estudo da Afrobarómetro sobre a qualidade da democracia aponta para uma quebra vertiginosa da confiança dos cabo-verdianos nas figuras políticas do Presidente da República e do Primeiro-ministro, assim como na Casa Parlamentar, Câmaras Municipais, nas Comissão Nacional de Eleições, nos partidos políticos e em poderes como a Polícia e as Forças Armadas. A desconfiança afecta também a imagem dos líderes religiosos e dos próprios tribunais.
Realizada entre finais de agosto e inícios de setembro nas ilhas de Santo Antão, S. Vicente, Santiago e Fogo, a sondagem atribui nota negativa ao actual Governo, além de apontar para uma queda evidente na confiança e no desempenho das instituições entre 2022 e 2024. Nos casos do Presidente José Maria Neves e do governante Ulisses Correia e Silva, registaram reduções significativas nos dois indicadores, com a confiança caindo de 40 para 31%, respectivamente, e o desempenho de 55 para 47 por cento.
O gráfico do estudo demonstra que 72% dos inquiridos desaprova a maneira como a Presidencia da República tem desempenhado as suas funções nos últimos 12 meses, enquanto, no caso do Governo, essa nota fica situada em 60 por cento. Nos casos dos deputados das assembleias municipais e do Parlamento, essa avaliação é mais equilibrada, embora tenha atingido os 45 e 47 por cento.
No sector económico, a apreciação dos cabo-verdianos sobre a capacidade do Executivo em manter os preços estáveis, reduzir o fosso entre as classes sociais, criar empregos, melhorar a vida dos pobres e gerir a economia piorou de forma global. A mesma tendência ficou evidente no tocante as políticas levadas a cabo para o combate ao crime, resolução de conflitos violentos, combate à corrupção dentro do próprio Governo.
A maioria dos cabo-verdianos mostra-se também desapontada com a qualidade dos serviços básicos de saúde, o fornecimento de água e serviços de saneamento e as necessidades de educação. Já menos de 50% dos entrevistados criticou as medidas de manutenção das estradas, o fornecimento de qualidade da electricidade e as medidas de proteção e promoção do bem-estar das crianças vulneráveis.
O desemprego lidera a lista dos principais problemas que afetam Cabo Vede, com 55 por cento. Este item é seguido pela qualidade dos serviços de saúde (51%) e a criminalidade e o sentimento de insegurança (48%). Os outros aspectos elencados pelos inquiridos englobam a pobreza/miséria, educação, salários, habitação e custo de vida.
No quesito corrupção, os resultados indicam que, para os cabo-verdianos, a Polícia é o sector onde essa prática está mais enraizada. Para piorar o quadro, a proporção de entrevistados que avaliam a performance do Governo na luta contra a corrupção como “mal” ou “muito mal” aumentou de 43%, em 2011, para 63% em 2022 e 2024.
A corrupção, conforme a sondagem, está implantada com mais força na Polícia, no Primeiro-ministro e funcionários do seu gabinete, nos deputados da Assembleia Nacional, no Presidente e no seu gabinete de apoio, nos juízes e magistrados, nos funcionários públicos e nos vereadores, situando-se entre 27% e 19 por cento nesta “escala”. A corrupção é praticada também no sector privado, na opinião dos inquiridos, que apontam o dedo aos empresários (20%), às organizações não-governamentais (16%) e aos líderes religiosos (15%). Entretanto, 75 por cento dos entrevistados acham que quem denunciar um caso de corrupção corre sério risco de retaliação ou outros tipos de consequências negativas.
Os principais resultados do estudo demonstram que cerca de um terço dos cabo-verdianos considera que o Governo está a fazer “menos” do que deveria para proteger as crianças contra abusos sexuais, a maioria (62%) prefere manter o actual sistema de governo, com um Primeiro-ministro que governa e um Presidente com poderes limitados.
Entretanto, 31% acha que a relação entre José Maria Neves e Ulisses C. e Silva impactou positivamente o funcionamento das instituições do Estado, enquanto uma maior parcela (37%) acredita que a polémica entre as duas partes teve um impacto negativo. Frisa-se que 46% entende que tanto o PR quanto o PM tiveram a mesma responsabilidade na relação tensa instalada entre si.
A sondagem da Afrobarómetro – uma rede de pesquisa pan-africana e apartidária – inquiriu 1.200 pessoas em 4 ilhas, sendo metade homem e metade mulher, 73% reside nos centros urbanos, a maioria (42%) tem ensino secundário, 73% professa a religião católica. A amostra contemplou cidadãos residentes em Santo Antão, São Vicente, Santiago e Fogo com idade adulta, as entrevistas foram presenciais e a margem de erro é de 2 a 3 pontos percentuais.