O Comandante Pedro Pires, que foi ontem laureado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Mindelo numa cerimónia presidida pelo Chefe de Estado, José Maria Neves, considera que cumpriu o seu compromisso político e ético com o povo cabo-verdiano. Desafiou os seus pares a manterem-se humildes e a reconhecer que nem tudo está resolvido. Durante esta homenagem singelo mas carregada de significado, que foi testemunhado por reitores de várias universidades lusas, acadêmicos, políticos e personalidades mindelenses, foram esmiuçados os mais de 70 anos do antigo Presidente da República dedicados a Cabo Verde, desde a luta armada aos dias de hoje, ressalvando-se sobretudo a importância dos movimentos independentista africanos na Revolução dos Cravos, que também libertou Portugal.
Foi uma cerimónia longa, que iniciou com o desfile de acadêmicos e estudantes da Universidade do Mindelo, e representantes de instituições de ensino superior nacionais e internacionais, do laureado Pedro Pires e do seu padrinho Germano Almeida, entoando músicas como Cabo Verde Terra Estimada de Jotamont e Nha Armon (05 de Julho) de Manuel d’ Novas. Já no auditório Onésimo Silveira, após as boas-vindas e a apresentação de uma biografia resumida do homenageado pelo Reitor Albertino Graça, os presentes foram agraciados com o tema “Segred d’ Monte Cara”, com letra e música de José Luiz Ramos e dedicado a Pedro Pires, a partir de agora patrimônio imaterial da instituição.
Seguiu-se então os discursos de praxes, de Germano Almeida, que destacou outras facetas do seu afilhado, do professor António Sampaio da Nóvoa, que exaltou a importância da luta pela independência de Cabo Verde e da Guiné Bissau para a eclosão da Revolução dos Cravos em Portugal e do Presidente da República, José Maria Neves. Este centrou-se na justeza da homenagem e na importância de homenagear os homens e mulheres que se dedicaram de corpo e alma à causa da independência nacional, entre os quais o agora laureado com o título académico maior da UM, Pedro Pires.
Neves apontou ainda vários outros feitos do Comandante, que considerou ser um dos grandes protagonistas do processo de transição de Cabo Verde para a democracia , mas também enquanto primeiro líder da oposição democrática. E, como forma de reconhecer os desafios, conquistas e ganhos, citou as muitas homenagens feitas ao longo deste ano em que se celebra o Cinquentenário da independência nacional. Já Pedro Pires, no seu timbre habitual, descreveu todo o seu trajecto, com riqueza de detalhes, desde a sua primeira saída da ilha do Vulcão para fazer o exame de admissão aos liceus em 1946 em S.Vicente, porque não existia liceu na ilha do Fogo, aos dias de hoje.
“Continuou com o segundo regresso para fazer um segundo exame na altura do primeiro ciclo dos liceus em 1948. Após isso, tinha-se verificado por razões sócio-conómicas um interregno de quatro anos. Regressei em 1953 para completar o segundo ciclo e concluir o terceiro ciclo dos liceu sem 1956. Hoje, esse contratempo não aconteceria visto que há escolas secundárias instaladas em todas as ilhas. Quatro só na Ilha do Fogo e mais de cinquenta em todo o território nacional .E, como confirmação dos enormes avanços conseguidos em matéria de educação, é uma universidade privada, fundada em 2002, que me honra com esta distinção académica. Foi na posse de conhecimento adquiridos nos liceus que sonhei e dei o salto mais ambicioso que se seguiria,” declarou.
Segundo Pedro Pires, tinha como principal propósito aumentar e aperfeiçoar os conhecimentos a fim de assegurar a consolidação da instrução académica e melhores condições de vida. Porém, além da ambição académica, levava na bagagem espiritual o germe adormecido da necessidade de respostas às suas dúvidas e angústias, as memórias desassossegadas dos dramas que tinha presenciado no Fogo e demais catástrofes humanas ocorridas nas outras ilhas. “Estávamos atentos e aproveitamos a oportunidade de fuga clandestina que nos surgiu, após algumas peripécias normais em situações imprevisíveis da iniciação da luta da libertação. Aconteceu então a minha integração nas fileiras do PAIGC em Conakry, na República da Guiné, em outubro de 1961.O longo período decorrido, de 1961 a 1973, foi de crescimento, de conscientização e de grandes transformações, seja na condição de vida pessoal, seja nas perspectivas quanto ao futuro pessoal. Assumi a condição de comandante a tempo inteiro, sem direito a qualquer compensação material,” detalhou o laureado.
Pires garante que cumpriu com empenho e lealdade às missões que lhe foram confiadas, na convicção de que era obrigatório fazer o necessário para vencer o início e assegurar o triunfo na causa da libertação nacional, afirmou, elencando vários marcos importantes. “O ano de 1973 foi horroroso e trágico,porém, ao mesmo tempo, glorioso.O nosso líder e garante da nossa vitória sobre o colonialismotinha sido cruelmente assassinado em janeiro.Em resposta à traição e à tragédia,as nossas forças armadas infligiram em maioa maior derrota militar ao exército colonialcom a conquista do quartel estratégico de Guilhedese a destruição dos quartéis de Gadamede e de Guidadesmarcados pela entrada no teatro de guerrados mísseis antiaéreos eficazes e letais,” citou.
Do ponto de vista pessoal, prosseguiu o Comandante, o ano teve uma significação histórica, prossegue, liderou com sucesso as duas negociações com o governo provisório português: primeiro sobre o reconhecimento da República da Guiné-Bissau e, a seguir, sobre a fixação dos procedimentos políticos que conduziram à independência e à fundação do Estado Soberano de Cabo Verde. Pires assumiu então a liderança da Comissão Nacional do PAIGC e foi elaborado o Programa de Governo, momento importante para planear resposta e indicar caminhos prováveis.
Internamente, disse, a luta era convencer os cabo-verdianos que o projecto libertador reunia os requisitos, as potencialidades, os recursos, as valências, os impulsos morais e intelectuais que possibilitaram a descoberta, a elaboração e a implementação de soluções inovadoras e eficientes para a superação da crise grave, ampla e multifacetada que martirizava o país. “Considero cumprido o nosso compromisso político e ético com o povo cabo-verdiano. Do meu ponto de vista, Cabo Verde, independente, tem vindo a registrar resultados muito dignos. Cresceu, desenvolveu-se em todas as esferas da vida pública e social, atingiu um índice de desenvolvimento humano extraordinário, tendo em conta a sua dimensão e as parcas riquezas materiais de que dispunha e dispõe.”
De acordo com Pires, é preciso manter-se humilde, realista e a reconhecer que nem tudo está resolvido, e que os desafios e a sua resposta não devem ser percebidos como matérias da exclusiva responsabilidade da governação. Alegou, por outro lado, que esses desafios e a sua resposta não devem ser percebidos como matérias da exclusiva responsabilidade da governação. Pelo contrário, são comuns e transversais, interpelam e reclamam o envolvimento e a implicação de todos, o que antevê uma responsabilidade compartilhada entre o poder e a sociedade cavaleira. Sobretudo agora que a humanidade atravessa uma conjuntura crítica, portadora de desafios árduos e riscos essenciais sérios.
Por tudo isso, defendeu, urge repensar numa perspectiva diferente o poder ou a distribuição dos diferentes pilares materiais e morais em que se assentam os poderes contemporâneos. E finalizou apelando ao diálogo sincero, a busca de soluções negociadas, a cooperação vantajosa para todos e o respeito mútuo e honesto pelo outro e pelos seus direitos legítimos, princípios basilares do pacto de confiança recíproca a ser assumido por todos os detentores do poder.