O cidadão venezuelano Alex Saab, que se encontra detido em Cabo Verde, escreveu uma carta-aberta ao Primeiro-ministro para pedir justiça ao seu caso. Na missiva, conta que está preso ilegalmente no país há 57 dias, a aguardar um pedido de extradição feito pelos Estados Unidos “infundado” e com “motivação política”. Inconformado, este pede que a posição de Cabo Verde seja revista.
Saab começa por dizer que lhe foi negado o direito a uma audiência e que a sua equipa de advogados não teve acesso ao relatório do procurador, o que é inédito na história jurídica de Cabo Verde. Isso, diz, apesar das autoridades nada saberem nada sobre a sua vida que seja verdade e que não tenha sido alterado, o que o leva a contar um pouco da sua história.
“Apesar de ter nascido em Barranquilla, Colômbia, sou venezuelano e vivo em Caracas desde 2004. Estou muito grato pelas oportunidades que a Venezuela me ofereceu e tentei retribuir a generosidade e a hospitalidade do seu povo”, relata, acrescentando que os seus pais emigraram do Líbano em 1960 e criaram um negócio têxtil que, graças ao seu trabalho árduo e depois aos esforços dos irmãos, esteve em actividade durante mais de 50 anos até decidirem seguir os seus próprios negócios.
Aos 18 anos, prossegue, criou a sua própria marca de roupa e aos 20 anos deixou o negócio da família. Na altura, este tinha 2.000 trabalhadores directos e 10.000 indirectos. “A empresa produzia mais de 12 milhões de peças de vestuário por ano e exportava para 20 países. Aos 21 anos, era proprietário de uma das maiores empresas têxteis da Colômbia. Combinei o meu trabalho no mundo da moda com investimentos em projectos de construção que, com capital privado e sem subsídios ou apoios governamentais, construíram mais de 1.000 apartamentos”, descreve.
Saab acredita que, com este relato, mostra ser uma pessoal normal e com um passado comum, assente no trabalho árduo que o ajudou a construir um negócio de sucesso, sem benefícios governamentais, ao contrário do que vem sendo acusado. Admite que ao longo dos anos ganhou a confiança da Venezuela. Mas isso porque foi sempre profissional, tendo lidado com difíceis condições de pagamento, causadas pelos bloqueios à Venezuela. Aliás, diz, tem usado os seus fundos pessoais para cumprir contratos.
Tratamento diferenciado
Voltando à sua detenção, este revela que nos quase dois meses em que está preso ilegalmente, na sua opinião, apesar de ter fornecido provas claras e inequívocas de graves problemas de saúde, teve acesso a cuidados médicos rudimentares e perdeu quase 20 quilos. Isso tudo, apesar de ter sofrido de cancro. Pôde constatar, no entanto, que em Cabo Verde até os traficantes de droga recebem melhor tratamento e prisão domiciliar; coisas não lhe foram disponibilizadas, nem mesmo como Enviado Especial.
“Os EUA vestiram um uniforme e declararam-se a polícia do mundo. Tornaram público o seu objectivo de mudar o regime na Venezuela e a sua realização brutalizou o povo e a economia do país, independentemente das consequências. O desejo deste país de alargar as suas reivindicações extra-territorialmente é contra todas as leis internacionais e não existem precedentes nos tempos em vivemos”, desabafa.
Diz ainda que os Estados Unidos o acusaram, sem fornecer o mínimo de provas ou provas concretas, de crimes cuja única ligação com o país é a existência de pagamentos feitos para ou através de contas bancárias americanas. Assegura que não foram feitos pessoalmente e nem foi por eles responsável, não obstante serem obrigações contratuais ou facturas de cartão de crédito para as quais não foram oferecidos meios alternativos de pagamento.
“Estou certo de que se esqueceram de informar que essas mesmas acusações já foram investigadas pela República do Equador (e pela própria Venezuela) e que não foram encontradas provas de irregularidades. Por estas razões, os EUA dizem que o Equador também faz parte de uma conspiração corrupta controlada por mim?”, questiona.
Lembra, ainda que, como Enviado Especial, tem a responsabilidade de atender às necessidades humanitárias que lhe são confiadas. Foi esta a razão pela qual foi ao Irão em Abril, para negociar a entrega de gasolina e outros produtos, como peças de reposição, para impulsionar a indústria petrolífera na Venezuela. Conta que quando foi detido, a 12 de Junho, encontrava-se a caminho do Irão numa missão humanitária, sob o título de Enviado Especial, com total imunidade ao abrigo do direito internacional.
Nesse dia, o aparelho que viajava fez uma escala técnica em Cabo Verde para abastecimento. Foi então que um oficial, que não se identificou, obrigou-o a sair do meu avião diplomático usando como pretexto um alerta vermelho da Interpol, relata, acrescentando que eram 20h00 em Cabo Verde, 23h00 em Lyon, onde se encontra a base da INTERPOL.
Rapto
Segundo Alex Saab, o alerta vermelho foi apenas emitido a 13 de Junho, pelo que foi basicamente raptado. No aeroporto, indica, o polícia trancou-o numa cela durante dois dias sem comida nem luz. Durante este período, o funcionário insistiu “veementemente” para que assinasse a sua ordem de extradição voluntária, o que lhe foi recusado determinantemente a fazer.
Saab diz duvidar que o PM não tenha tido conhecimento do tratamento “cruel e desumano” a que foi submetido, especialmente porque, mesmo depois que a Venezuela confirmou a sua imunidade, nada vez para reparar a situação. Uma inacção que, avisa, terá consequências jurídicas e políticas. Termina pedindo justiça e lembrando que Cabo Verde, como membro da ONU, deve respeitar a sua imunidade e permitir o seu regresso ao país.
De recordar que, três juízes do Tribunal de Relação de Barlavento, em acórdão de 31 de Julho, decidiram pela extradição do cidadão venezuelano Alex Saab Nain Moran para os Estados Unidos de América para ser julgado nesse país. Segundo o acórdão, nos EUA este cidadão, natural da Colômbia, vai ser julgado por oito crimes, sendo um de “conspiração para cometer lavagem de dinheiro” e sete de “lavagem de instrumentos monetários”.
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