O jurista Alcides Graça considera que o processo de perda de mandato do autarca Augusto Neves não será minimamente beliscado com a decisão do Governo de declarar situação de contingência em S. Vicente por seis meses devido a queda da chuva em setembro. O ex-presidente do PAICV em S. Vicente critica figuras políticas do seu próprio partido que defenderam a ideia de que o objectivo do Palácio da Várzea seja proteger o presidente da CMSV desse processo administrativo, quando, a seu ver, perderam uma grande oportunidade para atacar a “falta de seriedade do Governo” ao forjar uma “situação inexistente” para poder transferir recursos ao município, com o intuito de “salvar” A. Neves de uma “queda” antes do julgamento.
“Não foi por acaso que o Governo estipulou a duração de seis meses contados a partir da data de produção de efeitos (que não se sabe quando é isto), podendo ser prorrogada, se as razões concretas e ponderosas assim determinarem. Ou seja, esta decisão pode chegar até setembro/outubro do próximo ano, precisamente um ano antes das eleições autárquicas, garantindo transferência de recurso ao Município durante todo este período”, frisa o advogado do PAICV no processo intentado contra Neves.
Graça volta a salientar que a resolução não tem nenhuma influência sobre a tramitação do processo administrativo que impende sobre Neves, por existir em Cabo Verde o princípio da separação de poderes. “Acredito na independência dos tribunais, embora com os constrangimentos que todos conhecemos”, assume o causídico. Este acrescenta que a medida do Governo foi adotada supostamente para atacar os danos provocados pela queda da chuva em setembro, tendo recorrido à lei. Porém, na sua leitura, a verdadeira razão foi escamoteada.
Graça lembra que o plano de contingência (PlanCon) estabelece as ações de proteção e defesa civil, é elaborado a partir de uma hipótese de desastre e organiza as respostas no terreno. Adverte que esse plano não foi mencionado porque não existe. Sublinha, entretanto, que S. Vicente não tem orçamento aprovado, pelo que o Governo não pode transferir recursos para o município, designadamente as verbas no âmbito do Fundo de Financiamento Municipal (FFM), que, diz, são destinadas essencialmente para o pagamento dos salários dos funcionários.
“Ora bem, o Governo, sabendo que seria o fim do Augusto Neves, caso não venha a pagar os salários dos funcionários, forçou uma situação, de duvidoso enquadramento legal, para transferir verbas de funcionamento para o Município de São Vicente”, conclui Alcides Graça. Acrescenta que, chegando setembro/outubro do próximo ano, sem uma decisão judicial, isto impedirá o seguimento do processo administrativo de perda de mandato. No entanto, acredita que o processo poderá ser julgado muito antes, uma vez que, na sua opinião, a situação de contingência não afeta em nada a sua tramitação.
Com a sua análise, Graça critica deputados eleitos pelo círculo de S. Vicente sobre a interpretação que fizeram da declaração de contingência. Afirma no seu post que devem estudar, aconselhar-se com especialistas, ou pelo menos com pessoas da área, “antes de abrir a boca”. Pior, diz, são outras pessoas que seguem as pisadas de algumas intervenções, sem questionar o pacote que estão a receber.
Desta forma, acaba por contrariar as leituras feitas pelo deputado João do Carmo no Parlamento e de Adilson Jesus, presidente da Comissão Politica do PAICV em S. Vicente. No Parlamento, João do Carmo acusou o Governo de querer condicionar as decisões dos tribunais e a realização de eleições autárquicas antecipadas com a declaração tardia da situação de contingência. O parlamentar lembrou que o impacto da chuva já foi basicamente ultrapassado e que pode haver uma ou outra intervenção ainda a ser feita, mas que, a haver, compete ao Instituto de Estradas.
Por sua vez, Adilson Jesus fez uma publicação a afirmar que a medida do Governo é uma clara forma de contornar e/ou condicionar o poder dos tribunais. O responsável local do PAICV acrescenta que, na sua percepção, o Governo agiu dessa forma porque deve ter sabido da decisão dos tribunais sobre o pedido de perda de mandato do presidente da Câmara Municipal de São Vicente. E, para tentar dissuadir o poder judicial, resolveu decretar a situação de contingência em São Vicente, supostamente por causa das chuvas de setembro.