As guerras e as doenças que assolam o mundo estão a mostrar a Cabo Verde que um dia o povo pode ficar “enrascado” dentro das ilhas e que, a acontecer, as pessoas darão o devido valor à agricultura. “E vou directa ao ponto: podes ter todo o dinheiro do mundo, mas, se a fome chegar e eu tiver 5 litros de milho, não vou vender-te o meu milho e vais morrer à fome com o teu dinheiro no bolso!”
O alerta partiu da voz de Josefa Delgado, uma mulher detentora de um riquíssimo conhecimento sobre as plantas endémicas de Santo Antão, em particular da realidade agrícola do Planalto Leste. Segundo Zuza, como é conhecida, muita gente acha que a agricultura não serve para muita coisa – uma área pouco apelativa a investimentos. Porém, aconselha todo o mundo a voltar a cara para a natureza, pois, diz, nada consegue sobreviver sem a agricultura.
Presidente da AMUPAL (Associação das Mulheres do Planalto Leste), esta agricultora estimula cada um a fazer agricultura, nem que seja o mínimo, independentemente da sua profissão, pois lembra a máxima “quem planta, colhe”.
Perante as ameaças das mudanças climáticas, Josefa Delgado aconselha uma relação de troca mútua entre o ser humano e a natureza: colher, usar o que é preciso e devolver o resto ao solo para ser reaproveitado. “Se colho um feijão devolvo a casca ao solo, assim como se fosse com uma fruta ou uma espiga de milho”, ilustra essa mulher do campo, para quem tal prática permite ao terreno reaproveitar o material orgânico e manter a sua fertilidade. “Com este processo, o meu solo fica mais rico e produz mais, mesmo com escassez de chuva”, informa.
Zuza tem provas de que, graças a essa troca, consegue extrair duas colheitas num ano e com bom rendimento. Por isso é apologista da massificação desse hábito que considera saudável e funciona nos dois sentidos. Relembra, aliás, que os antigos agricultores já tinham esse conhecimento, logo não estão a inventar nada, apenas a aprimorar o saber ancestral.
Outra prática, diz essa fonte, é o reaproveitamento de pacotes de leite e de sumo, que são usados para a colocação de plantas no viveiro do Planalto Leste. Inicialmente, segundo a agricultora, foram acusados de andar a apanhar tudo o que é lixo, mas hoje as pessoas entenderam o alcance dessa ação. Na verdade, foi uma forma de limparem o ambiente de uma fonte de poluição e fazer reciclagem, diminuindo assim o uso do plástico. Hoje, diz, tornaram-se num exemplo e inspiração para os colegas da ilha de Santo Antão.
E, por falar em formação, Zuza revela que um dos desafios tem sido estimular os agricultores a diversificarem as suas culturas. Deste modo podem retirar da terra os produtos que precisam e estimular a capacidade de recuperação dos terrenos. Afirma que essa luta está a ganhar adeptos, mesmo entre os agricultores mais resistentes a mudanças.
O agricultor João Lima, que representa a nova geração, informa que tem havido um trabalho exaustivo com os colegas, mas também com as crianças e estudantes universitários, para lhes mostrar as vantagens das técnicas aplicadas nos campos experimentais. Salienta que os resultados não aparecem de imediato, mas que os benefícios acabam por surgir. “Há agricultores que fazem uma plantação e querem fazer uma colheira em 3 meses. Na agroecologia, além da colheita em 3 meses, vamos criando melhores condições no terreno. Em vez de perder fertilidade, o terreno ganha mais capacidade e sem recurso a químicos”, enfatiza Lima.
Segundo este profissional, trabalham actualmente com três viveiros no Planalto Leste, na Casa d’Meio e no Planalto Norte – instalados no âmbito do projeto Sistemas Agroflorestais da ADPM -, onde produzem espécies florestais endémicas destinadas às áreas protegidas, no âmbito do projecto EcoRaízes. Esta iniciativa tem a duração de 3 anos e prevê a plantação de 10.000 unidades ao longo da sua vigência.
Em paralelo ocorre um trabalho com produção de plantas ornamentais e hortícolas. João Lima refere que são procurados por agricultores interessados em fazer experiências nas suas parcelas. No fundo, o pretendido tanto por Josefa Delgado como por João Lima é acasalar as boas práticas antigas com as inovadoras, visando assegurar uma agricultura mais sustentável e resiliente na ilha de Santo Antão.