Sentença cria tumulto no Tribunal de SV: Seis receptadores enviados directamente para cadeia

Uma sentença do juiz Antero Tavares criou ontem tumulto no Tribunal de S. Vicente com o envio directamente para a cadeia de seis pessoas acusadas de receptação de produtos roubados. Quando toda a gente esperava por uma pena de multa, o magistrado aplicou-lhes dois anos efectivos de encarceramento. Para dar mais consistência à sentença, esse juiz do 1° Juízo Crime decidiu mudar a medida de coação aplicada ao grupo de “termo de identidade e residência” para “prisão preventiva” para que, deste modo, os sentenciados passem a aguardar os trâmites do processo na cadeia.

Conforme apurou o Mindelinsite, entre o grupo de receptadores encontra-se uma senhora de 60 anos de idade e trabalhadores que se viram privados da liberdade, embora cientes de terem cometido um crime punido legalmente. Mas, para um advogado, a sentença foi excessiva, principalmente devido ao facto de o juiz ter mudado a medida de coação aplicada aos suspeitos. Estes ficaram a aguardar o julgamento sob TIR, decisão que foi entretanto alterada pelo 1° Juízo Crime do Tribunal de S. Vicente para prisão preventiva no dia da leitura da sentença.

“Isto é uma arbitrariedade. Aqui não está em causa a condenação dessas pessoas, mas a forma como as coisas se passaram – a mudança da medida de coação para prisão preventiva com uma fundamentação de duvidosa aplicação”, critica um jurista ligado ao processo, que lamenta o impacto da decisão na vida dos implicados. Este causídico realça que houve quem tenha comprado copos, canecas e bules usados e ido parar atrás das grades. “Como aceitar isso quando há uma denúncia de alguém que desviou 35 mil contos e aguarda o julgamento em liberdade?”, compara.

Como reconhece, a lei possibilita a mudança das medidas de coação, “mas não com os argumentos usados neste caso.” Na sua sentença, acrescenta, o juiz alega que há risco de fuga quando, diz, os receptadores são pessoas de baixa renda, que “sequer” têm como fugir para Santo Antão.

É certo que os defensores dos condenados vão recorrer da sentença. Só que, adverte o nosso entrevistado sob anonimato, o grupo, composto por pessoas sem antecedentes criminais, vai ter de aguardar pelo menos três meses na prisão até o pronunciamento do Tribunal de Relação de Barlavento.

O caso

Os seis condenados por receptação foram indiciados num processo de roubo perpectuado por um grupo de oito indivíduos, que cometeram entre Agosto e Novembro de 2018 uma série de vandalismo em residências na zona do Norte da Baia, algumas pertencentes a emigrantes. Os meliantes arrombaram portas, entraram por janelas e até tiraram telhados e tectos falsos para terem acesso ao interior das casas. Uma vez lá dentro apossaram-se de tudo, desde televisores, mobiliários, colchões, aparelhagens de som, colunas, travesseiros, talheres, garrafas de gás, etc., que venderam ao desbarato. Por exemplo, aceitaram 150 escudos por uma frigideira, copos de plástico, canecas, bule, pratos e garfos. E, conforme está expresso na sentença, algumas das pessoas que compraram esses bens sabiam da proveniência ilícita dos mesmos, enquanto que outras sequer se dignaram perguntar de onde vinham os utensílios.

Na sua defesa, os coautores dos roubos alegaram ter encontrado os produtos numa “gambota”. Só que o juiz não “engoliu” essa versão, pois, como diz, utilizaram essa tese em mais do que um caso. Conforme o magistrado, isso é uma clara contradição. Significaria que alguém estava a “trabalhar” para que outros tirassem proveito do seu esforço.

Todos os acusados de roubo foram condenados a prisão efectiva, com penas que vão dos 11 aos 2 anos de cadeia. Quanto aos receptadores, os seis acabaram sentenciados a dois anos de prisão. Na sentença, o juiz justifica que o Código de Processo Penal permite a substituição da medida de coação se houver uma agravação das exigências cautelares. No caso em apreço, diz a sentença que durante a instrução foi aplicado TIR aos suspeitos, mas os mesmos atrapalharam a descoberta da verdade material na fase de julgamento. Além disso, o juiz diz que a sociedade não iria entender como alguém como os arguidos iria ficar em liberdade com fortes possibilidades de condenação. Além disso, advoga o magistrado que os casos de receptação vêm aumentando em S. Vicente, alimentando os furtos e roubos, uma tendência que é preciso estancar.

Abordado pelo Mindelinsite, o juiz Antero Tavares negou comentar as críticas do advogado. Como diz, a defesa tem todo o direito de recorrer da decisão.

Kim-Zé Brito

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