O Colectivo de Juízes que presidiu o julgamento do processo “Operação Epicentro”, nome atribuído à ação policial realizada em junho de 2024 pela Polícia Judiciária, com apoio da Polícia Nacional e das Forças Armadas, aplicou penas pesadas aos principais arguidos, que foram imediatamente conduzidos a Cadeia da Ribeirinha em São Vicente. Odair Cedjô dos Santos foi condenado a 20 anos de prisão, a esposa Naila dos Santos apanhou 16 anos, o comparsa Malick Lopes 14 anos e o advogado Dith Mar Lima 12 anos.
A juiza-presidente Adalgiza dos Santos precisou de mais de cinco horas para ler o acórdão. Fez um historial de todo o processo aos mínimos detalhes e de todos envolvidos, sobretudo de Cedjô dos Santos que, segundo a magistrada, tem um longo historial de venda de drogas, que começou há mais de uma década quando ainda residia na zona da Cruz João Évora, passando depois por várias residências que foi adquirindo e construindo no Campim e em Chã Ti Lisa, viaturas compradas e vendidas aos longos dos anos e outros bens.
Ainda, a forma como o casal foi envolvendo amigos e familiares nas teias da organização, que tem gestores, membros e colaboradores, para concluir que todos os arguidos agiram de livre vontade. Criticou especialmente o advogado Dith Mar Lima que, afirmou, utilizou os seus conhecimentos jurídicos para ajudar o grupo a esconder os bens e enganar as autoridades. No final, concluiu que a maioria dos arguidos não mostrou arrependimento e quebrou as normas.
Por isso, decidiu condenar os arguidos acusados de associação criminosa, tráfico de drogas de alto risco, lavagem de capital, motim e condução sem habilitação. Os principais arguidos foram condenados a penas que vão dos 10 aos 20 anos de prisão por acúmulo jurídico. No total, dos 27 arguidos, 10 foram enviados para a Cadeia da Ribeirinha com ordem deste auto e quatro que já estavam em prisão preventiva, mantiveram a medida de coação. Os restantes foram condenados a pena suspensa sob regime de provas ou foram absolvidos.
Penas excessivas
O ambiente dentro do Tribunal que esteve descontraído durante a leitura do acordo mudou de imediato após o anúncio das medidas de coação, com choros, lágrimas silenciosas e descrença entre os arguidos e os seus advogados. Lá fora, os familiares dos arguidos reagiram com incredulidade, prantos e gritos. À saída do Tribunal da Comarca de São Vicente, o advogado Gilson Cardoso deixou evidente a sua insatisfação e revolta.
“O nosso entendimento em relação à tramitação deste processo e aos erros processuais, bem como ao pedido de afastamento da juíza, que hoje condenou os arguidos a penas severas e alterou as medidas de coação em relação aos meus constituintes e a outros, inclusive ao nosso colega Dith Mar, permanece. Entendemos que foi uma medida de penas excessivas porque não resultou provado que praticaram os crimes aos quais foram acusados e pronunciados”, declarou o advogado que representa “Cêdjo” e Malick.
Para este causídico, a alteração da medida de coação que anteriormente tinha sido aplicada e depois revogada por força de um Acórdão do Tribunal Constitucional constitui uma grave violação dos direitos fundamentais, no caso, a liberdade.“Veja que os arguidos Cedjô e Malick estavam privados de liberdade, depois este foi-lhes restituído por força do Acórdão do TC. Foi-lhes então aplicado interdição de saída do país e apresentação periódica, medidas que estavam a cumprir. Estiveram presentes em todas as sessões de julgamento, por isso não justificam a alteração da medida de coação agora”, sublinha.
Interpor recurso
Segundo Gilson Cardoso, vão aguardar o depósito do acórdão para interpor recurso em hábeas corpus. “Entendemos que a prisão destes arguidos é ilegal. O acórdão lido hoje, por mais de cinco horas, espelha a maior injustiça da história de Cabo Verde”. Para justificar a sua afirmação, diz que os arguidos ainda têm pendentes os recursos sobre prisão preventiva. “Vários arguidos estavam privados de liberdade. Volvidos mais de mais de sete meses, o Tribunal de Relação de Barlavento não proferiu nenhum acórdão.”
No que concerne ao pedido de afastamento da juíza-presidente, este advogado lembra que em dois dias já havia uma decisão. Por isso, aproveitou para questionar sobre o interesse em continuar com uma magistrada que já tinha aplicado prisão preventiva e praticou vários atos neste processo. “Lembro que ela foi designada para assumir o Juízo Civil do Tribunal da Comarca de São Vicente, mas permaneceu a julgar este processo. Que interesse tem ela para ajuizar e decidir este processo”, voltou a questionar, acrescentando que todos os magistrados que foram alvos de mobilidade começaram a exercer as novas funções a partir de 01 de outubro deste ano, com excepção da juíza-presidente.
Para G.Cardoso, isto demonstra que Cabo Verde está muito mal em termos de justiça. Mas, pontua, mais grave é que o TRB ainda não decidiu sobre a questão de omissão de participação dos arguidos em atos do processo e sobre a notificação do despacho de pronúncia. “Constituem violações graves dos direitos fundamentais. Por isso perguntamos porque o TRB ainda não decidiu sobre vários recursos pendentes, mas teve pressa para deliberar sobre o afastamento, sem cumprir os pressupostos legais. Isto põe a nu a fragilidade da nossa justiça. Aqui confrontamos o Estado de C. Verde, o Conselho Superior de Magistratura Judicial, pela afronta que os cidadãos deste país estão a passar”.
Entende que revogar a medida de coação dos arguidos que estavam a ser acusados e pronunciados neste processo não faz sentido porque sempre estiveram presentes e não tentaram de nenhuma forma obstruir a justiça. Ao contrário, mostraram disponibilidade para esclarecer os factos. “O que aconteceu hoje é apenas uma prova de tudo o que disse infelizmente um dos nossos colegas”. Admite que os arguidos foram condenados por todos os crimes que foram acusados, não obstante nenhum resultar provados. “Condenaram pessoas a penas de 10 anos de prisão pelo crime de tráfico de drogas de alto risco, num processo em que não foi apreendido nem um quarto de estupefaciente” disse, lembrando outros processos em que foram apreendidos toneladas de cocaína e nenhum arguido foi condenado a penas de dez anos de prisão.
De recordar que, no âmbito da “Operação Epicentro”, as autoridades anunciaram a apreensão de vários “elementos de relevância probatória”, incluindo mais de um milhão e quinhentos mil escudos, notas e moedas estrangeiras, estupefacientes (cocaína, haxixe e canábis), perfumes, sapatos, materiais elétricos, motociclos, viaturas, televisores, bebidas alcoólicas e aparelhos eletrodomésticos.
